quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Nº 1

Mexendo e remexendo lá no fundo, bem lá no fundo do Baú do Edu, procurando coisas legais para colocar aqui para vocês, encontrei um tesouro de valor absolutamente inestimável! Pelo menos para mim! São pastas e mais pastas onde, nos anos 70, eu, um jovem beatlemaníaco alucinado, colecionava tudo que se relacionasse aos meus ídolos. Desde de anúncios classificados, a matérias publicadas na Veja, Life, O Cruzeiro, Seleções, Som Três, Pop, etc, etc, etc... Todas essas matérias (pelo menos as mais significativas) vou colocar aos poucos aqui no nosso blog preferido sempre com o selo “TESOUROS DO FUNDO DO BAÚ”.

Para começar, escolhi aleatoriamente essa da revista Veja sobre o "Album Branco” publicada em 27/11/1969. Os Beatles ainda nem tinham se separado! Num tempo em que o crítico nem assinava a matéria, ele acaba com os Beatles, com Lennon e se mostra com total falta de informação e respeito. É curioso rever todas essas coisas e constatar que é sempre necessário lembrar que os discos que chegavam aqui, vinham com mais de dois anos de atraso. Espero que gostem do tanto que gostei e fiquei feliz em reencontrar meu velho tesouro que não via talvez, há mais de 30 anos. Valeu! Abração!


OS BEATLES NUS – REVISTA VEJA 27/11/1969
Gostam mesmo é de rock, estão cada vez mais ricos, lançam um novo disco de canções suaves


John Lennon não tem medo de fumar maconha, nem de aparecer pelado junto da mulher na capa de seu novo disco, “As Duas Virgens”. Mas tem medo de que o novo album dos Beatles, um volume duplo, com 27 músicas, lançado semana passada em Londres, seja comparado – para pior – com o anterior “Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Este foi saudado como uma revolução de sons e inéditas harmonias, e o novo é feito na base de canções românticas, despretenciosas e nostálgicas. “O que fizemos nesse disco ultrapassa o anterior”, adverte Lennon, e cita os títulos das canções do novo álbum como prova de que os Beatles não pararam: “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Glass Onion” (Cebola de Vidro), “Everybody’s Got Something To Hide Except Me and My Monkey” (Todo mundo tem alguma coisa para esconder, menos eu e meu macaco), “Hapiness is a Warm Gun” (A felicidade é uma arma quente) ou “Why Don’t we do it in the Road” (Por que não fazemos isso na rua?). E mais: os Beatles ouvem sem parar canções de dez anos atrás e Lennon sustenta, modestamente, que “isso nós ainda não conseguimos fazer”. O novo álbum – sem título – é o primeiro dos Beatles desde “Sergeant Pepper’s” (lançado em agosto do ano passado), e nesse meio tempo o conjunto foi notado só pelos compactos e por alguns incidentes extramusicais: a prisão de Lennon e Yoko, há três meses, por fumarem maconha, a foto dos dois na capa de “As Duas Virgens” (com os críticos referindo-se mais à nudez externa do que ao disco dentro do envelope) e o fracasso do filme que fizeram para a TV inglesa, “Magical Mystery Tour”. O trabalho de agora é quase todo inspirado pela meditação que os Beatles fizeram ano passado na Índia. Há uma canção de Paul McCartney para seu cahorro e uma letra de Lennon (“Julia”) dedicada à sua mãe. Lennon diz por que foi quase tudo composto para guitarra: “Eu não conheço os acordes e por isso é mais fácil escrever para um instrumento de poucas notas”. Ele faz a autocrítica do conjunto: “Nós queríamos fazer antigamente o que fazemos hoje, mas não tínhamos experiência. Ficávamos com medo de certos acordes por que achávamos que eram comuns. Por isso a volta às origens, em “Revolution”, foi uma libertação”. E, na hora de fazer as letras, Lennon ficava engasgado “naquele di, du, di, du, dôo, da guitarra”.
Que fazer diante de tantos problemas? Lennon se explica: “Todo mundo diz que devemos fazer isso ou aquilo, mas o nosso negócio mesmo é o rock”. Ao cineasta Jean-Luc Godard (“A Chinesa”), que rodou há pouco um filme com os Rolling Stones e que acusou os Beatles de “ficarem quietos, sem denunciar a estrutura social”, Lennon respondeu com certa irritação que os Beatles já fizeram muito, inclusive uma exposição de esculturas com caixas de esmolas, envoltas em balões com a legenda “Você está aqui”. Ele, Lennon, também tem feito muito ultimamente. Adora a nova mulher e diz que sofre grande influência dela: “Nós produzimos idéias um para cima do outro, que nem o Flint”. O destino dos Beatles é ressucitar o rock? Lennon responde com voz pausada e ritmada: “Durante anos não fomos nós mesmos. Agora somos. Temos boas intenções. Somos boas pessoas. Nosso trabalho deve mostrar essa bondade. Amém.”

Nº 2

É indiscutível o tanto que a década de 70 representou para a história da Cultura Pop do século XX - quase do mesmo tanto, ou mais, que os próprios anos 60 - "A Era dos Beatles!". Num mundo que, sequer era impossível sonhar em internet, havia uma revistinha que era "jóia" para fãs ávidos como eu por notícias dos seus ídolos. Nesse tempo, que hoje parece tão distante, havia uma revistinha mensal, publicada pela Editora Abril, que, de certa forma nos conformava com essas poucas notas. Era a "POP". Ou simplesmente a "Revista Pop". Ou, usando o nome formal, "Geração Pop". O Brasil, era supercarente de informação. Em tudo havia censura. Mas a revista insistia na teimosia de ser apenas informação para os jovens! E isso incomodava! É claro, falava de moda, skate, surf e outras tantas baboseiras... mas o grande enfoque era sempre o que estava acontecendo no mundo da música, do rock. Essa hoje "clássica" publicação, resistiu bravamente por 7 longos anos, entre 72 e 79. Teve seu final fatídico depois de 82 edições. Era cara, e em 1977, um "durango" como eu não tinha grana para acompanhar. Pois bem, certo dia, na casa de um amigo, estava lá a edição novinha que, na capa, tinha uma chamada para o "primeiro depoimento inédito" de Paul McCartney sobre o fim dos Beatles! Nem pensei duas vezes! Arranquei as páginas de forma carinhosa que achava que ninguém fosse perceber. E por mais de três décadas guardei e escondi o produto do roubo como se fosse um troféu! Olhando para o passado, percebo que foi um erro. Se tivesse pedido, ele teria me dado. Mas a emoção era muito maior! Quando ele finalmente percebeu que as páginas da sua revista haviam sido roubadas, nunca mais falou comigo! Achei justo! Como disse, é como um trófeu! Desculpe, Raimundo! Foi por uma boa causa. Tenho certeza que agora você entende! Valeu! Abração! Com carinho, especialmente para você: "AS CONFISSÕES DE PAUL MCCARTNEY"! Publicadas na "POP" de abril ou maio de 77. Infelizmente, não pude levar a capa!

Pela primeira vez, desde a dissolução dos Beatles, Paul McCartney conta tudo sobre o fim do maior grupo que a música pop já conheceu. De quebra, revela todos os lances do nascimento do Wings, suas certezas e inseguranças, num depoimento exclusivo ao jornal inglês Daily Express e à revista POP.

“Eu nunca teria deixado os Beatles, se os outros músicos não o tivessem feito primeiro. Na época, as pessoas viviam me perguntando quando eu voltaria para o gupo. Mas, elas não sabiam que minha volta era impossível. Nenhum dos outros queria continuar.”

“Na verdade, o grupo só sobreviveria se eu chegasse com o rabo entre as pernas e pedisse: ‘Por favor, rapazes, vamos continuar com a banda?’ E mesmo se eu resolvesse assumir essa posição humilde estaria arriscado a levar um sonoro NÃO ! pela cara. De qualquer modo, o que me magoa nesse período da história dos Beatles é que sempre saí responsabilizado pelo fim dos Beatles. E eu fui o último da banda a querer isso.”

“Ringo foi o primeiro a deixar o grupo. Ele entrou numas que tocava bateria muito mal, e nós tínhamos que conversar com ele por horas a fio, tentando de toda forma convencê-lo do contrário. George foi o segundo a desistir, o que aconteceu durante as filmagens de Let It Be. Ele não conseguia ver futuro nos Beatles, talvez por estar entrando naquelas de mundo espiritual... Na semana seguinte, quando ainda tentávamos digerir a decisão de George, John entrou no escritório da Apple e lançou uma nova bomba, anunciando sua decisão de deixar os Beatles. Resolvemos esperar e ver se John mudava de idéia. Conversamos muito. Mas ele nunca mudou de idéia...”

“Assim ao contrário do que sempre comentam, eu fui o último músico dos Beatles a aceitar a dissolução do grupo. Mas, vocês entendem, eu não poderia ficar chupando o dedo, à espera que John, George e Ringo decidissem voltar para o conjunto. Desse modo, resolvi formar o meu próprio grupo, mesmo sabendo que a parceria de John iria fazer uma imensa falta. Afinal, nós sempre ajudávamos um ao outro nas idéias musicais.” “Bolei o nome de Wings quando Linda estava no hospital, dando à luz a Mary. É claro que, nesse caso, a maioria dos pais estaria pensando no nome que daria ao filho: mas eu e Linda só pensávamos no nome do grupo o qual acabávamos de formar. Afinal, registramos os dois nomes (Wings e Mary) no mesmo dia. O sujeito do cartório, é claro, achou estranhíssima toda aquela confusão...”

“O grande problema dos Wings, no início, era a grande expectativa que todos tinham com relação ao grupo. Os Beatles começaram tocando para platéias, que esperavam muito pouco do nosso som. Desse modo, tivemos tempo para amadurecer e, finalmente, criar algo realmente bom. No caso dos Wings, porém, todo mundo queria ouvir ‘o novo grupo do Paul McCartney’, e não uma banda que estava apenas começando, em busca de uma personalidade musical. Para um grupo novo, o ideal é enfrentar platéias que não prestam muita atenção à música, dando oportunidade aos músicos para avaliar as reações da garotada. Mas nós nunca tínhamos oportunidade de errar no palco. Nossos erros eram detalhadamente apontados pela imprensa, que esperava de nós uma tola perfeição.”

“As críticas negativas que recebemos no início foram duras de aceitar. As pessoas escreviam que a única saída para os Wings seria contratar John, George e Ringo. Escreviam que os LPs dos Wings eram ridículos e ingênuos. E, quando todo mundo começa a dizer que você é ruim, você começa a desconfiar do trabalho que está realizando..” Se eu fosse um músico em início de carreira, se o Wings fosse meu primeiro grupo na vida, até que as críticas seriam aceitáveis. Afinal, era o meu nome saindo no jornal! Mas quando você já esteve lá em cima, liderando a maior banda da música pop, as críticas começam a soar um pouco diferente.”

“Um dos principais comentários da imprensa (e até dos amigos) era que Linda não possuía o menor nível musical para estar no Wings, como tecladista. O guitarrista Henry McCullough e o baterista Denny Seiwel, que iniciaram o Wings junto conosco deixaram o grupo por diferenças musicais com Linda. Diariamente, eles me diziam: ‘Paul, não leve a mal, mas linda não tem nada a ver com a gente’. E eu respondia sempre. É difícil explicar com palavras, mas sei que existe um bom motivo para Linda estar conosco. Todo músico tem que perder a sua ‘virgindade artística’, ou seja, o medo de se apresentar em público. No caso de Linda – reconheço – esse processo foi bastante doloroso. Lembro-me de uma noite terrível, durante um circuito universitário, que fizemos no início do grupo. Íamos tocar a música Wild Life e Linda deveria introduzi-la com quatro acordes de piano. Eu virei para o grupo e fiz a clássica: um, dois, três, já! Nada de piano... Olhei para Linda e ela me sussurrou: ‘Esqueci os acordes!’ Ainda bem que a platéia pensou que aquele lance tinha sido planejado por nós...”

“Em 1973 nós buscávamos desesperadamente uma fórmula de sucesso para o Wings. Nas entrevistas, as pessoas só perguntavam sobre a volta dos Beatles, e eu já estava ficando cheio! Desse modo, decidimos gravar nosso LP seguinte em Lagos, na Nigéria, pensando que seria um bom refúgio espiritual. Na verdade, logo que chegamos lá fomos vítimas de assalto. Quatro sujeitos se aproximaram enquanto dávamos um passeio pelas ruas, e nos deixaram quase nus! Levaram tudo, desde o meu blazer inglês até as botas suecas de Linda. De qualquer modo, Band on the Run, o LP o qual gravamos lá, foi nosso primeiro disco de sucesso, vendendo mais de um milhão de cópias. A própria capa do disco é uma tentativa de representação do assalto. Depois de Band on the Run, o público passou a nos aceitar como uma grande banda de rock.”

“Fazendo um balanço de sete anos de Wings, algumas revelações são realmente surpreendentes. Nos últimos dois anos, por exemplo, ganhei muito mais dinheiro que em todo o período em que os Beatles estavam vivos. Explica-se: durante os anos de ouro dos Beatles, nunca sabíamos a quantas andavam as nossas finanças. Aquele canalha do Allen Klein fez a cabeça de John, George e Ringo, jogando todos eles contra mim. Nos últimos anos os negócios da Apple eram simplesmente inacreditáveis: todos ganhávamos dinheiro, mas recebíamos salários bem pequenos. O resto ia para a empresa, em nome de um fundo que nunca chegamos a ver...”

“Na verdade, nunca chegamos a ver um tostão de direitos autorais sobre tudo o que se inventou sob o nome Beatles: bolsos, chaveiros, perfume, perucas, talco, roupas, souvenirs e uma série interminável de coisas. Allen Klein detinha os direitos sobre tudo que levava o nome Beatles, e nunca nos deu uma prestação de contas a qual pudéssemos considerar como satisfatória. Essa situação só foi moralizada quando contratei o pai de Linda como advogado. Aí, tudo veio á tona, e George e Ringo me deram razão. Na verdade, John é o único que resiste a aceitar a realidade. Ele sempre foi um grande cabeça dura. Foi a partir desse ponto que nos tornamos amigos. E foi exatamente pela mesma razão que acabamos brigando...”

Nº 3

Chamar Paul McCartney de gênio é uma coisa normal. Ao lado de John Lennon formou a dupla de compositores de maior sucesso da história da música. É um excelente produtor e multi-instrumentista como poucos. Escolheu o baixo como ofício. Também toca, e muito bem, guitarra, piano, bateria ou qualquer outro instrumento que parar em suas mãos. E ainda é também é um dos maiores, senão o maior, cantor do rock de todos os tempos. Além de toda esta excelência musical, Paul McCartney tem outro grande talento, o cuidado com sua imagem. Olhando para trás, desde o início de sua carreira, no final dos anos 50 até os dias de hoje, é difícil encontrar fatos que possam arranhar sua imagem de bom moço, um Beatle que conquistou a realeza britânica e foi nomeado Sir. No entanto, um problema de Paul envolvendo drogas chegou às manchetes mundiais no início de 1980. No dia 16 de janeiro, ao desembarcar no aeroporto de Tokyo com a mulher, os filhos e os Wings, ele foi preso com 225 gramas de maconha. Paul ficou em cana por mais de uma semana. Disse que antes de viajar estava em Nova York com um fumo muito bom e como não tinha certeza se encontraria alguma erva no Japão, resolveu levar a mercadoria. “O negócio era bom demais para jogar na privada, então eu resolvi levar comigo” afirmou Paul. Ele também admitiu que esta foi umas das coisas mais imbecis que já fez na vida. Sua prisão no Japão também decretou o fim dos Wings. Os músicos Denny Laine, Laurence Juber e Steve Holly, insatisfeitos com a perda do contrato das apresentações (consequentemente, com a grana que iriam ganhar com os shows) e com uma remuneração baixa, resolveram cair fora!

Neste 3º capítulo de “Tesouros do Fundo do Baú”, extraída da revista Manchete de 25 de janeiro de 1980, uma pequena matéria sobre a prisão de Paul no Japão. Valeu! Abração!

PAUL McCARTNEY – O BARATO SAIU CARO!
Na desastrosa relação entre o rock e as drogas, um dos mais divulgados capítulos vem sendo escrito desde semana passada. O cenário era clássico: no aeroporto de Narita, Tóquio, milhares de fãs superexcitados aguardava a chegada de Paul McCartney e seu conjunto Wings para uma série de 11 apresentações no Japão. Inevitavelmente, a imprensa estava lá – em peso. O sorridente Paul McCartney apareceu de moço bem-comportado, com mulher e filhos, mas, ao que parece, as autoridades japonesas já estavam de olho em sua bagagem. Procuraram e encontraram: 220 gramas de maconha. E, em vez do palco, Paul McCartney acabou na cadeia, levantando-se, no Japão, grande polêmica sobre as severíssimas leis envolvendo drogas. Mas não é a primeira vez que o ex-Beatle enfrenta esse tipo de problema. Em 1972, por exemplo, em Gotenburgo, na Suécia, ele chegou a admitir o consumo de haxixe e o contrabando para aquele país, sendo multado em dois mil dólares. No ano seguinte, sofreu nova multa – desta vez por cultivar maconha em sua fazenda na Escócia.

Ele chegou a Tóquio, o filho no colo e a mulher, Linda Eastman, pelo braço, sem demonstrar qualquer preocupação aparente, para fazer um total de 11 concertos com seu conjunto Wings. Mas a alegria de Paul McCartney e seus fãs iria durar pouco. As autoridades japonesas estavam de olhos bem abertos.

Até o início desta semana, a juventude japonesa estava mobilizada pelo affaire McCartney. Com os concertos cancelados - e um prejuízo calculado em pelo menos um Milhão de dólares – as rádios oficiais proibidas de apresentar músicas de Paul (enquanto as particulares tocavam adoidado “atendendo a pedidos”), alguns achavam que era “inocente, pois não conhecia as leis japonesas”, enquanto outros reconheciam: “Ele agiu mal.” Enquanto isso, na cadeia, o cantor e compositor entrava no regime de acordar às seis da manhã e dormir às oito da noite; na justiça ainda se discutia o que fazer: formalizar a acusação de posse de drogas (mantendo-o sete anos na cadeia, mais dois mil dólares de multa) ou simplesmente expulsá-lo do país. Pelo sim, pelo não, os Wings se mandaram. Mas Linda espera por Paul.

Os policiais japoneses escoltaram um Paul McCartney já algemado para a delegacia. Os fãs tentaram tumultuar a prisão, e muitos não entendiam o que estava acontecendo, mas as provas eram muito evidentes. Em sua bagagem foram encontradas cerca de 220 gramas de maconha.

Nº 4

Este artigo foi publicado na revista SOM TRÊS de setembro de 1979. É um review assinado por Ana Maria Bahiana, sobre o lançamento do álbum George Harrison.


Nove anos de música na vida do jardineiro George

"Não consigo pensar na minha vida como uma carreira, hoje. Gosto de música, de tocar minha guitarra, mas é só isso. Acho mais importante ficar com meu filho, minha mulher e cuidar do meu jardim. Me considero, basicamente, um jardineiro".


Há jardins na casa de George Harrison (WEA) e de All Thing Must Pass (EMI). E nove anos separando um do outro. Na recente e curtíssima – e curtíssima – passagem pelo Brasil, George não falou em nenhum dos dois – embora, teoricamente, tenha vindo divulgar o segundo – mas do tempo dos jardins e dos Beatles. Havia uma sensação estranha em olhar aquele homem muito velho para seus 36 anos, muito sereno para quem viveu tudo que viveu: a sensação de que todos ali – jornalistas, fotógrafos, ele mesmo – estavam vivendo uma fantasia, uma trip, uma irrealidade, que estávamos todos representando uma entrevista com frieza e profissionalismo, porque não podia ser verdade. Não é mesmo, George Harrison realmente não existe, é uma imagem de celulóide, uma impressão numa folha de jornal, uma voz sem corpo numa caixa acústica.
Em algum ponto da entrevista você percebe que ele sabe disso. Que olha a si mesmo de fora, e sabe que não tem, na verdade, carreira nenhuma a manter, imagem nenhuma a cultivar, que já tinha provado tudo que precisava provar e deixado a si mesmo lá atrás, lá longe, como a casca de uma cigarra.
E, no entanto, ele faz discos. Talvez porque tenha passado os últimos seis anos - espaço que separa seu derradeiro bom álbum. Living in the Material World, deste último George Harrison – caminhando para longe de si mesmo, do personagem que foi, ele tem feito em sua maioria discos ruins, monótonos, desleixados. E talvez porque tenha chegado ao ponto em que realmente, o que foi não importa, ele faz agora, um álbum magnífico em sua simplicidade, repleto de hits certeiros, como “Blow Away”, “Love Comes to Everyone”, “Here Comes The Moon”( a antítese de “Here Comes The Sun”) e canções belíssimas, continuadoras de uma linhagem inaugurada com “Something”, “Dark Sweet Lady”, “Your Love is Forever”, “Soft Touch”. Música comercial de primeira linha, como em síntese, os Beatles sempre fizeram. Executada com maestria de alguém que conhece todas as intimidades do estúdio, esse velho amigo.
Há um ciclo se fechando entre Harrison e All Things Must Pass, o álbum triplo que está sendo relançado no Brasil. All Things é o primeiro passo fora, e por isso é raivoso, abundante, majestoso, jorrando como uma hemorragia – ou como uma dor de barriga, como, candidamente, o próprio George o comparou. É seu melhor disco, e um dos melhores discos feitos nos anos 70. Está repleto de clássicos – “If Not For You”, “Beware of Darkness”, “I’d Have You Anything”, “Isn’t It a Pity”, “My Sweet Lord” – e com uma dinâmica diabólica em cada faixa – “What Is Life”, para citar o exemplo máximo. A guitarra não é genial, mas tem estilo, bom gosto, leveza. A voz é bruxulenta, mas George sabe como gravá-la e fazer dela a sua assinatura. George é, acima de tudo, inventor de melodias – e assim sobreviverá a si mesmo e será encontrado em plena forma, nove anos depois. Aí já é o fim de uma estrada, o começo de outra. Sentado sobre uma pedra, olhando para trás, pacificamente, e não mais no meio daquele descampado, os quatro anõezinhos caídos no chão, aquele olhar de “viram o que aconteceu?”. Todas as coisas devem passar.
E George veio, George foi, George falou e parecia que não era ele, e talvez não fosse, mas isso já não faz diferença. George não tem nenhum motivo para fazer música, nem boa nem má, nem para ganhar dinheiro. Mas faz. Nada mau para um jardineiro. Ana Maria Bahiana

DOWNLOAD:
http://www.4shared.com/file/2xs1KIQI/GH_GH_1979_obaudoedublogspotco.html

Nº 5

Matéria publicada na Revista Pop de março de 1979.

“ME SENTI COMO SE ESTIVESSE DIANTE DE DEUS”
Por José Emílio Rondeau

Eu cresci, da mesma maneira que minha geração, a anterior e algumas seguintes, admirando esse cara que está agora à minha frente. Junto com John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison formava a mais importante banda de rock de todos os tempos – e até mais que isso: juntos eles viraram o mundo ao avesso e passaram a representar tudo o que um adolescente queria. Eu tinha, então, apenas 13 anos – e me lembro como os Beatles estavam ligados a todas as coisas: contestação, psicodelia, cabelos longos, a gíria, a ascenção da guitarra, o rock. Os Beatles eram Deus e o Mundo.
E hoje, aos 22 anos, eu estou diante de um daqueles quatro deuses, falando com ele um sonho real. Aos 37 anos, George Harrison é agora um homem maduro, sereno e simples, que cuida sozinho de seu jardim, vive com a mulher e com o filho de 6 meses, que gosta de música clássica indiana e de corridas de automóveis – foi para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 que ele acabou vindo ao Brasil, de surpresa, quando ninguém mais acreditava que viesse.
Falar com ele foi como falar com minha própria adolescência. Ou como rever um velho amigo que nunca conhecera pessoalmente. Voltar aos tempos dos Beatles ... no fim da entrevista, George decidiu atender às fãs que há horas esperavam para vê-lo. Cercado por guardas de seguranças da gravadora WEA, teve que correr até o carro que la levá-lo ao aeroporto, enquanto as meninas gritavam, socavam o capô, ativaram-se à frente. Quando finalmente conseguiu partir, fiquei vendo a poeira do Galaxie, com um nó na garganta. José Emílio Rondeau

HITPOP – Você, que era em primeiro lugar um guitarrista, agora está diversificando seus interesses, produzindo filmes, ligando-se a corridas. Como ocorreu essa mudança?

George Harrison –Bem, em primeiro lugar, eu sou um jardineiro. Passo a maior parte de meu tempo, hoje plantando: só em novembro, plantei mais de 50.000 mudas. Em segundo lugar, eu sou um compositor, em terceiro, um guitarrista; e em quarto, um cantor. Essa é mais ou menos a ordem. Em minha vida, tudo ocorreu mais ou menos como num trampolim: tocar guitarra levou-me a música, a música levou-me para os Beatles, os Beatles foram um trampolim para os discos, aí me envolvi com gente de cinema. Resolvi produzir o filme do Monty Python porque sou um fã deles, e quando os antigos financiadores se afastaram, eu entrei. Quanto às corridas, bem, eu gosto delas desde os 12 anos de idade, mas antes não podia ir a nenhuma, por causa da popularidade dos Beatles. Hoje posso, e vou.

HITPOP – Quando você lançou seu primeiro disco individual. All Things Must Pass (relançado agora no Brasil pela Odeon) houve uma grande reação positiva. Depois, na excursão de 74, as críticas foram totalmente negativas. Isso o afetou?

George – Tudo na vida é um ciclo: você sabe, depois tem que descer. Não é nada bom quando te criticam tanto, mas ajuda: ou você enlouquece e se mata, ou se fortalece. Além disso naquela excursão eu perdi a voz.

HITPOP – E hoje, em relação à sua carreira, como você se sente?

George – Eu não vejo meu trabalho como uma carreira. Faço ocasionalmente um disco porque gosto de compor, só isso. Não sou como Paul, que fez uma carreira excursionando com sua nova banda, gravando. Ele é viciado em trabalho, adora estar sempre tocando. Eu não, já tive minha superdose de fama. Hoje, prefiro ficar no meu jardim, não quero nunca mais ser famoso. Foi uma escolha , entende?

HITPOP – E quanto a John?

George – Acho que John não pega na guitarra há uns 3 anos. Ele vive no Japão e em Nova Iorque, tomando conta de seu bebê, Sean. Eu tenho um filho de seis meses, e é muito melhor ficar com ele, em casa, do que estar dizendo todas essas besteiras sobre os Beatles. Com todo o respeito que tenho pelos Beatles: aquilo foi bom para aquele tempo, mas... Sabe, algumas pessoas, como Paul, têm necessidade de estarem na televisão, nas paradas. Eu não.

HITPOP – Você não acha importante mostrar sua música?

George- Eu acho importante, quando você faz um disco, as pessoas saberem que ele existe. Seria uma vergonha se ninguém soubesse. Mas ser famoso, não. Te deixa maluco. Seria muito bom que todo mundo que todo mundo que quer ser famoso pudesse sê-lo, por uma semana, pra sentir como é duro.

HITPOP – A transição do trabalho em grupo com os Beatles para o trabalho individual foi difícil?

George – Foi fácil. Uma das razões da separação foi que todos nós escrevíamos um monte de músicas e gravávamos só três ou quatro. Era como ter prisão de ventre. Com o All Things Must Pass, então, eu finalmente pude ir ao banheiro: o disco tinha dezoito músicas, um alívio. Aliás, o disco de ouro que ganhei ´pr ele está pendurado exatamente no meu banheiro. Trabalhar sozinho, então, foi fácil. Já que eu tinh as músicas.

HITPOP – Quando começaram as más vibrações entre os Beatles?

George – Em 67, quando John se juntou a Yoko. Antes de tudo era muito bom, tudo. Havia turbulências, claro, passamos por coisas que ninguém imagina. Aí durante o filme Let It Be, as coisas estavam péssimas. Eu deixei a banda durante as filmagens, já estávamos cheios de tanta Yoko. Ela estava tentando entrar para os Beatles, então Paul arrumou Linda pra se apoiar. Foi demais pra mim, elas estavam em todos os lugares. Levei Eric Clapton pra tocar conosco em While My Guitar Gently Weeps porque, tendo alguém olhando, John e Paul teriam que tocar direito: os dois faziam tantas músicas que, quando chegava a minha vez, eles sempre tentavam estragá-la. Era como lidar com crianças, sabe? As pessoas pensavam que tudo era um mar de rosas. Mas nós vivíamos num inferno.

HITPOP – Qual a sua reação quando o empresário Brian Epstein morreu?

George – Me senti muito triste. Foi como se tivesse tirado nosso chão. Não sabíamos para onde olhar, nem pra onde ir. Até aquela época, nós não organizávamos nada, não sabíamos nada de negócios. Brian fazia tudo, era como um juiz, guia.

HITPOP – Os Beatles são considerados o início de tudo o que hoje é chamado rock. Você concorda com isso?

George – De certa forma, sim. Somos parte da história, embora em relação as todas as modificações da época nós tenhamos sido vítimas das circusntâncias tanto quanto os demais. Os Beatles foram importantes, sim, mas não éramos a resposta para os problemas do mundo. Fomos a melhor banda: até hoje não há nada igual. Mas o resto era bobagem, e havia tantas pressões... Sabe, foi importante que nós nos separássemos: um dia os Beatles cairiam. E é melhor fazer como Muhammad Ali: ganhar o campeonato e se aposentar, como Jackie Stewart fez na fórmula 1. Os Beatles, então, foram assim: nós ganhamos todos os campeonatos e depois nos aposentamos. Antes que começássemos a cair.

HITPOP – Por que vocês deixaram de se apresentar ao vivo tão cedo, em 1966 ainda?

George – Porque nossa vida era muito concentrada. Um ano era como vinte anos. O tempo todo havia pressões, imprensa, o público, voando de um lado para outro, tumultos em cada cidade. Um ano para cada um de nós, era uma vida. E, por volta de 65, 66, eu, por exemplo, me sentia como se já tivesse vivido trezentos anos!


HITPOP – Como foi que você começou a se interessar por assuntos espirituais?

George – Bem, um dia, eu, John e nossas esposas fomos jantar. E John colocou ácido em nosso café. Nós não sabíamos o que era aquilo, e ele nos disse: “Aconselho que vocês não saiam”. Depois, pensando que ele nos estava convidando para uma orgia em sua casa, saímos. Acabamos entrando em uma discoteca chamada Ad Lib – e uma porção de coisas incríveis começaram a acontecer. Parecia que estávamos na pré-estréia de alguma coisa, achamos que o elevador estava em chamas (havia apenas uma luz vermelha), e quando saímos dele estávamos todos gritando. Foi incrível. E depois dessa experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui a Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahaesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.

HITPOP – Voltando ao Monty Python: como você começou a trabalhar com eles?

George – Eles são meus velhos amigos, Eric Idle, um deles, escreveu comigo o roteiro para o filme dos Ruttles, uma paródia dos Beatles feita pelo Monty Phyton, no qual eu até trabalhei. Os Ruttles foram uma liberação, pra mim, uma piada com os Beatles. E tudo deve ter um lado engraçado.

HITPOP – Você, que representou o rock de toda uma geração, como vê o rock dos anos 80?
George – Deverá ser bom. Mas sinceramente, não presto muita atenção à música que predomina hoje. Gosto de algumas coisas, como Elton John E Ry Cooder. Mas quando quero me sentir bem, ouço música clássica indiana, que tem suas raízes no espírito. Fim.




Nº 6

Esta matéria foi publicada na Revista Manchete no início de setembro de 1980. Me lembro como se fosse hoje! Fiquei feliz em saber que meu herói estava de volta e logo colocaria minhas mãos em seu mais novo lançamento! John Lennon estava realmente na mídia onde também foi publicada uma entrevista raríssima dele na revista Veja dias antes dos disparos. Ainda antes da entrevista da Playboy! Não percam a próxima edição de “OS ARQUIVOS DO FUNDO DO BAÚ.Abração!
JOHN LENNON – O SOM RENASCEU!
Ao contrário de Paul McCartney, que vem badalando (e gravando) adoidado com seus Wings, John Lennon, 39 anos, parecia ter escolhido o silêncio como depoimento final de uma das carreiras mais bem-sucedidas do século. Lennon – autor da famosa frase “O sonho acabou” – desde o reatamento com Yoko Ono, vivia recluso em seus cinco apartamentos no sinistro “Dakota” – prédio onde foi filmado O Bebê de Rosemary. Já havia até ganho o apelido de A Greta Garbo do Rock, resumindo suas atividades a caminhadas anônimas e esporádicas pelo Central Park. Agora, para surpresa geral, ele voltou ao estúdio, após sete anos sem gravar. E que música pretende o ex-Beatle oferecer em 1980? “Algo diferente, além da discoteca”, responde pelo marido Yoko Ono, 47 anos. Quem acompanhou as gravações diz que será material romântico, descrito por Yoko como um diálogo entre um homem e uma mulher. “Temos levado uma vida ótima durante os últimos seis anos”, diz a Sra. Lennon, “e esse clima vai marcar bastante a qualidade do som deste novo disco.” Nas melhores lojas (dos EUA), a partir de outubro.

Nº 7



Os dias que antecederam o lançamento de “Double Fantasy” foram de uma expectativa absurda para mim. Era um prazer enorme abrir revistas dos mais variados generos e ver o velho quase “quarentão” de volta a ser notícia! Esta entrevista que vocês conferem a seguir, foi publicada na Revista Veja de 1º de outubro de 1980. O discão só chegaria às lojas - pelo menos aqui em Brasília - no início de dezembro. Mal sabia eu (nem ninguém!) que que dali a 2 meses e poucos dias ele seria a notícia mais popular em todos os jornais, revistas, TVs e radios de todo o planeta!


Só consegui ter meu Double Fantasy na manhã do dia 10 de dezembro. Eu ainda estava muito triste a abalado pelo que aconteceu no dia 8. O presente me foi dado pelo saudoso Luiz Carlos - um velho amigo do meu pai – e este Double Fantasy que ganhei dele, quardo como relíquia e não o ouço há vários anos! Ao todo, contando com os CDs, tenho 9 Double Fantasys. Espero que gostem! Abração! Se pudesse, colocava aqui para todos, esse novão, remasterizado que acabou de sair do forno! Se o fizer hoje, ainda hoje serei preso e executado!
Lennon está de volta
Calado há 5 anos, o ex-Beatle divide um disco com Yoko e fala de sua nova vida. Ao longo dos nove anos desde que os Beatles se separaram. John Lennon, o mais controverso e brilhante de seus quatro componentes, vem passando por um turbulento amadurecimento. Depois de uma frenética produção de discos de qualidade incrivelmente desigual, uma briga de quatro anos com o Serviço de Imigração americano para permanecer nos Estados Unidos, uma separação de quinze meses de sua esposa Yoko Ono e o nascimento de seu filho Sean, Lennon desapareceu de vista em 1975. Agora, às vésperas de se converter em um quarentão, ele reemerge com o mais esperado álbum do ano. Intitulado “Double Fantasy”, é uma espécie de de “Cenas de um Casamento” revelado em catorze canções – sete escritas por Lennon, sete por Yoko. Há alguns anos, o casal trocou seus papéis: Lennon tornou-se um “dono de casa”, cuidando de bebê e fazendo pão, enquanto Yoko se convertia na geente de negócios da família. Suas propriedades nos Eua são extensas – cinco apartamentos no legendário edifício de Dakota de Manhattan, Nova York e quatro fazendas para produzir leite. Recentemente, Lennon e Ono deram sua primeira grande entrevista em cinco anos a Bárbara Gaustark, da revista Newsweek. Vestindo uma calça Levis e uma camisa de trabalho, fumando cigarros franceses, o ex-Beatle falou abertamente de si próprio, sem mostrar sinais de demônios anteriores que antes perseguiam suas canções.

Bárbara – Por que você se escondeu a partir de 1975? Você estava cansado de fazer música ou do negócio da música?
Lennon – Um pouco de cada coisa. Desde os 22 anos de idade estava sob contrato e sempre se esperava alguma coisa de mim. Que eu escrevesse 100 canções até sexta-feia, que gravasse um compacto até sábado, fizesse isso e aquilo. Eu me tornei um artista por gostar da liberdade – nunca pude me encaixar em uma sala de aula ou num escritório. A liberdade era o algo a mais de que eu precisava pra compensar o fato de ser um sujeito estranho. De repente, contudo, vi-me amarrado a uma gravadora, à imprensa, ao público. Não tinha liberdade alguma.

Bárbara – Por que cinco anos?Lennon – Você sabe que me custou um longo tempo pra ter um bebê. Eu queria me dedicar por 5 anos ao meu filho Sean. Não vi Julian, meu primeiro filho (de sua esposa Cynthia) crescer e, agora, eis um homem de 17 anos ao telefone falando de motocicletas. Acho que a maioria das escolas são prisões – a cabeça da criança é aberta e estreitá-la para que ela vá competir na sala de aula é uma piada. Mandei Sean ao jardim de infância mas, quando percebi que o estava fazendo para me ver livre dele, deixei que voltasse para casa. Se não lhe dou atenção agora que ele tem 5 anos, terei que dá-la em doses duplas em sua adolescência. É o que lhe devo.
Bárbara – Yoko, por que você decidiu assumir o papel de empresária?
Yoko – Existe uma canção do John, no disco, chamada “Hora da Limpeza”, e assim foi para nós. Por estarmos ligados à Apple (a empresa dos Beatles) percebemos que todos os advogados e gerentes tinham um pedaço de nós, que não éramos financeiramente independentes – não sabíamos nem quanto dinheiro tínhamos. E ainda não sabemos. Agora estamos vendendo nossas ações da Apple (25%) para liberar nossas energias e outras direções. Fomos aconselhados a investir em ações e petróleo, mas não acreditamos nisso. Você tem que investir em coisas que ama. Como vacas, que são animais sagrados na Índia. Comprar casas foi uma decisão prática – John começou a se sentir preso em apartamentos e nós nos aborrecíamos em hotéis. Cada casa que compramos foi escolhida por ter um valor histórico.

Bárbara – John, foi muito difícil fazer algo que não fosse música?Lennon – A principio sim, foi muito difícil. Mas, musicalmente, minha mente era apenas uma confusão. Isso ficou aparente em “Walls and Bridges” (seu álbum individual de 1974), que era o trabalho de um artesão semi-enfermo. Não havia inspiração e dele emanava uma aura de sofrimento.

Bárbara – você deixou de ouvir música?Lennon – Ouço geralmente clássicos ou muzak. Não tenho interessse no trabalho de outros – só na medida em que me toca. Tenho a grande honra de nunca ter ido ao Studio 54 e de nunca ter pisado em qualquer clube de rock.

Bárbara – Por que você decidiu gravar novamente?Lennon – Porque este dono-de-casa gostaria de ter só um pouquinho de uma carreira. No dia 9 de outubro completo 40 anos de idade. Sean terá 5 e eu poderei dizer: “Papai também faz outras coisas”. O garoto não está acostumado a isso – em cinco anos eu quase não peguei na guitarra. No Natal passado nossos vizinhos mostraram a Sean o filme “Submarino Amarelo” e ele veio correndo para casa perguntando: “Papai, você estava cantando, você foi um Beatle?” Eu lhe respondi: “Bem – sim, fui”.

Bárbara – Por que você colaborou com Yoko nesse LP?
Lennon – É como uma peça de teatro – nós a escrevemos e somos os atores. É John e Yoko – é pegar ou largar... digo de outra forma forma (rindo) ... Yoko me faz sentir inteiro. Não quero cantar se ela não estiver lá comigo. Somos como conselheiros espirituais. Quando deixei os Beatles, pensei: “Ótimo, não preciso mais ouvir a Paul, Ringo e George”: Mas é aborrecido cantar sozinho em um estúdio.

Bárbara – Do homem que aos 23 escreveu “as mulheres deveriam ser obscenas em vez de ouvidas”, você percorreu um longo caminho. Como se deu isso?Lennon – Eu era um macho da classe trabalhadora, acostumado a ser servido e Yoko não entrou nessa. Do dia em que eu a conheci, ela exigiu tempo igual, espaço igual, direitos iguais. Eu disse: “Não espere que eu mude. Não tome meu espaço”. Ela respondeu: “Então não posso ficar aqui. Tudo giro a seu redor e não posso respirar nessa atmosfera”. Sou-lhe agradecido pela educação que me deu.
Bárbara – As pessoas acusam Yoko de ter arrancado você do grupo e, nesse processo, destruído os Beatles. Como foi que tudo realmente terminou?Lennon – Sempre estive à espera de um motivo para deixar os Beatles a partir do dia em que filmei “Como Ganhei a Guerra” (em 1966). Só não tinha coragem de tomar essa decisão. A semente estava plantada quando os Beatles pararam de fazer turnês e eu não podia enfrentar o fato de ficar de fora do palco. Mas estava muito assustado para sair de meu palácio. Foi o que matou Elvis Presley. O rei é sempre morto por seus cortesãos. Yoko me mostrou o que significava ser Elvis Beatle e estar rodeado de escravos cujo maior interesse era manter a situação como estava – uma espécie de morte. E assim foi como os Beatles terminaram – não porque ela “tenha dividido” os Beatles, mas porque me disse: “Você está nu”.

Bárbara – Como você vê agora seu radicalismo político no ínicio da década de 70?Lennon – Aquele radicalismo era falso, realmente, porque nascia de um sentimento de culpa. Sempre me senti culpado por ganhar dinheiro, e assim tinha que gastá-lo ou perdê-lo. Não quero dizer que fosse hipócrita – quando acredito, acredito até o fundo das coisas. Mas, por ser um camaleão, eu me convertia na pessoa com quem estava.

Bárbara – Você tem saudade dos velhos e bons tempos?Lennon – Nada. O que gerou os Beatles também gerou os anos 60. E, se alguém pensa que, se John e Paul, se juntarem com George e Ringo, os Beatles existirão novamente, está fora de si. Os Beatles deram o que tinham que dar. Os quatro sujeitos que compunham aquele grupo jamais poderão vir a ser aquele grupo novamente mesmo que assim eles quisessem. E se Paul e eu nos juntássemos? Seria chato. Se George ou Ringo se reunisse a nós seria irrelevante porque Paul e eu criamos a música, certo? Mas voltar aos Beatles seria como voltar a escola...

Bárbara – De todas as novas canções, só “I’m Losing You” parece abrigar os famosos demônios de Lennon. Como você escreveu?Lennon – Ela saiu de um pesado sentimento de perda que se remontou até o útero. Uma noite, eu não consegui me comunicar com Yoko por telefone e me senti completamente perdido... Acho que aí está o significado dessa história de cinco anos – restabelecer contato comigo mesmo. O verdadeiro momento de percepção veio quando descobri quem eu era aconteceu em um quarto em Honk Kong porque tinha me mandado de viagem para que eu ficasse completamente só. Desde os 20 anos não tinha feito nada por minha própria conta. Não sabia nem como me registrar em um hotel... Estava apreciando a vista da baía quando alguém tocou a campainha. Foi o reconhecimento – meu Deus. Essa pessoa calma sou eu. Não necessita mais de adulações ou de êxitos musicais.
Rodei por Hong Kong de madrugada, sozinho, e foi emocionante. Foi redescobrir uma sensação que tive uma vez, muito jovem, percorrendo as montanhas da Escócia com uma tia. Pensei: “Ei, Este é sentimento que faz você escrever ou pintar... E Esteve comigo toda minha vida. E é por isso que estou livre dos Beatles – porque acabei descobrindo que eu era John Lennon antes dos Beatles e serei John Lennon depois dos Beatles”. Assim seja.

Nº 8

O descontraído e cativante texto que vocês conferem a seguir, foi publicado na revista “SELEÇÕES” (do Reader’s Digest) em fevereiro de 1966. O show dos Beatles que o texto se refere, aconteceu em 2 de setembro de 1964 no “Convention Hall”, na Philadelphia. Elinor Wikler - a autora nasceu em 4 de julho de 1915 e faleceu em 10 de outubro de 1982. Espero que gostem! Abração em todos!

TODO MUNDO TEM O SEU BEATLE
Por Elinor Wikler

No andar de cima a televisão rugia, e as três adolescentes diante do espelho, Joanie e suas duas melhores amigas, Judy e Melanie, pareciam personagens de uma orgia romana. Judy rolava na cama, gemendo; Melanie estava no chão mordendo um travesseiro; e a minha Joanie, com os nós dos dedos enfiados na boca, parecia Hamlet vendo o fantasma do pai. No vídeo o animador pediu silêncio, e a cameracomeçou a passar pela platéia, pelos rostos de garotas contorcidos em um misto de agonia, êxtase e desespero. Eu ainda tinha subido para dizer-lhes que diminuíssem o volume, mas, parada ali, senti que aqueles ritos, o que quer que fosse, eram particulares e eu não deveria intrometer-me. No dia seguinte, quabdo enxugava os pratos, Joanie virou-se para mim e perguntou:
- Mamãe, não acha que eles são formidáveis?
- Eles quem? – perguntei distraidamente.
- Você sabe muito bem... eles! Respondeu ela da mesma maneira como quando, havia pouco tempo, era incapaz de pronunciar o nome de Papai Noel.
- Você está falando nos Beatles?
- Isso mesmo – respondeu minha filha, sem levantar os olhos.
- Eu compreendo a maioria das coisas – comecei – mas por que os Beatles?
- De que eram feitos os seus sonhos, mamãe? Perguntou Joanie.
Clark Gable subindo aquela escada carregando Scarlett nos braços, pensei. Os olhos de Charles Boyer, a voz... a lentidão com que Humphrey Bogart inalava a fumaça do seu cigarro.
- Eles não estão mais presentes – disse eu, sentindo um certo vazio.
Ela estava mexendo no rádio.
_ Estão sim – disse – nos velhos filmes da TV. Com o cabelo emplastrado, namorando aquelas pequenas com vestidos se miçangas e sem sobrancelhas. Isso hoje é velharia, mamãe.
- Ele me tocou de leve no braço. – Desculpe.
Joanie ligou o rádio. Meus velhos anseios secretos estavam indo todos por água abaixo. Os dela enchiam o ambiente: “I wanna hold your hand, I wanna hold your hand…”
Ela sorriu. Isso não mexe com você, mamãe? Esse é o George.
O jeito dela era bem igual ao meu, nas maravilhosas tardes de sábado, nos cinemas de veludo e ouro de minha adolescência. Que diferença fazia, pensei, se aqueles quatro bonecos de engonço tinham cabelo demais? Compreendi que meu “por que?” a Joanie não encontraria resposta na mentalidade, mas nos tempos – e no coração de uma jovem.
A medida que se passavam os dias e os meses, e as revistas de fãs e discos e retratos dos Beatles se acumulavam, comecei a compreender o que havia naquilo de divertido, a emoção, a aventura...
A aventura começou num dia de março, quando anunciaram que numa certa tarde de quinta-feira, em maio, a partir das 4:30h, seriam postas à venda as entradas para o espetáculo que em setembro Os Beatles iriam dar na cidade.
Lá pelas nove e meia daquela manhã de maio, Joanie e Melanie partiram rumo ao auditório, munidas de almoço em sacos de papel, dois velhos banquinhos dobráveis que tínhamos encontrado no sótão, e cada uma com um rádio transistor (para ouvir os Beatles enquanto esperavam).
O dia inteiro o rádio noticiou que uma multidão crescente se aglomerava diante do auditório e que a polícia estava preparada para agir em caso de tumulto. Finalmente, às cinco horas, a campainha do telefone tocou.
- Joanie! Onde você está?
- Na estação, mamãe. Será que podia vir apanhar-nos? E imagine só! Conseguimos as entradas! Estavam anquilosadas e bataidas, mas satisfeitas. No carro, a história saiu aos arrancos. A gerência, temendo uma arruaça, abrira a bilheteria uma hora mais cedo e vendera tudo em duas horas. Todo mundo estava lá. Todo mundo mesmo! Alguns tinham passado a noite inteira na escada. Cantavam juntos “We Love You Beatles”.
Assim, todo mundo tinha alguma coisa em comum – Ringo e George e Paul e John. Meninas como Joanie e Melanie, que não eram líderes no ginásio, tinham-se integrado na multidão – o grande oceano do mundo. E se conseguissem não se fufocar de emoção até setembro, então, então, estariam respirando o mesmo ar, o mesmíssimo ar que George e Paul e Ringo e John respiravam!
As entradas foram guardadas dentro de um envelope, dentro de outro envelope, na caixa de jóias de Joanie, e a chave posta dentro de um envelope na minha caixa de jóis, e a chave dessa caixa na gaveta trancada da escrivaninha do meu marido. No calendário da cozinha, o dia 2 de setembro foi marcado com estrelinhas. Cada qual tinha seu Beatle. George, sossegado, meditativo era de Joanie. Melanie, intrensa, extrovertida, escolhera Ringo, o mais divertido. E Judy facara com Paul, bonito e bondoso.
Elas tinha adotado uma porção de coloquialismos ingleses, e acompanharam “O Filme” (estrelado pelos Beatles) dos cinemas do centro da cidade até os bairros mais afastados, e tinham conhecido uma garota que tinha uma prima que tinha uma amiga que uma vez tocara em Ringo. E como Ringo pertencia a Melanie, isso colocou-a em uma atmosfera de transe e passou a ser um dos detalhes de um romance em que Ringo nota no teatro uma loura de preto (Melanie, oxigenada) e manda o porteiro entregar-lhe um bilhete: “Meu amor – espere por mim depois.”
Em fins de agosto houve intermináveis discussões a respeito do que vestir, quantos dias antes do espetáculo elas deveriam fazer um xampu nos cabelos, se deviam usar brincos, e nesse caso, se deviam ser compridos.
Em 2 de setembro, levei as três à estação ferroviária, caladas e nervosas. Judy, longe das vistas, passou sombra nos olhos (fingi não notar), e Melanie, que trouxera escondido na bolsa um par de brincos dourados de argola, a todo instante se olhava no espelhinho do carro para verificar se os brincos continuavam pendurados nas suas orelhas. Joanie dera preferência aos tons desmaiados; usava sandálias e pintara de prateado as unhas dos pés. Elas nada diziam a não ser um ocasional: “Oh, Brenda!”, “Oh, Tarlenton!”, “Oh, Mavis!” – esses eram nomes britânicos que elas tinham secretamente adotado. A todo instante verificavam se as entradas estavam na bolsa.
O espetáculo não iria começar antes das 8:30h, mas elas tomaram o trem das três para a cidade. Queriam “ficar um pouco por ali conversando com a turma” esperando a chegada dos Beatles. Ficou combinado que mais tarde me telefonariam caso quisessem que eu fosse apanha-las na estação.
Em casa, a noite pareceu interminável. Fiquei mudando de canal na TV – notícias, boletins meteorológicos, esportes. Passei para um filme de James Stewart e me encolhi no sofá, não muito fascinada pelo antigo glamour. Algo me parecia diferente – ele parecia um velho com aquele cabelo brilhantinado!
Fialmente, a porta bateu e Joanie entrou adejando pelo sala. Atirou-se no sofá e estendeu para o pai o canhoto verde da entrada.
- Guarde isso para mim, papai, na gaveta fechada.
Depois virou-se de bruços, enterrou o rosto nas almofadas e começou a gemer. Meu marido ajoelhou-se junto dela, afagando-le os cabelos.
- Joanie, você está sentindo alguma coisa?
- Sinto-me tão... feliz! É só isso, papai. Eles estavam lá! Na mesma sala. Com a gente! Se eu morresse agora, se eu fosse fulminada neste momento, não me importaria. O dia 2 de setembro veio...- sua voz era solene – e passou!
- Passou mesmo! – disse Fred enxugando-lhe o rosto com seu lenço.
- Vamos, diabinha, agora está na hora da cama.
- Foi com um sonho, como um conto de fadas – disse ela, sentada na cama, de pijama, tomando o seu leite.
- Tão especial... tão alucinante... como queríamos que fosse. Luzes acendendo e apagando. A platéia às escuras. O pano abrindo. Todo mundo em pé em cima das cadeiras e gritando. E todos tão juntos. Parecia... parecia fogos de artifício! E então, mamãe, eles apareceram, de verdade, em carne e osso. E então... – ela abriu a mão que segurava um pedaço de papel de alumínio. – Sabe o que é isto? Abanei a cabeça.
- O bolo! – disse ela com os olhos faiscantes – o bolo que eles comeram na entrevista coletiva estava embrulhado nisto! Foi um policial quem nos deu. Tirou o papel do lixo. Não acha que ele foi um anjo, mamãe?
- Foi sim, meu bem – respondi Agora durma direito. Ela dormiu até a hora do almoço.
- Como se sente agora, Joanie? Perguntei enquanto almoçávamos.
Ela suspirou, espreguiçou-se. E olhou através das cortinas a tarde luminosa.
- Realizada! Respondeu, dando uma ênfase especial à palavra.
- Se estou com pena de ter tudo acabado? – repetiu – Acabado? Nada acaba. Sempre há uma próxima vez.
A próxima vez, pensei eu. São tantas as próximas vezes na idade dela! O que lhe trarão essas próximas vezes, aos 15 anos, aos 16?
- Nada acaba nunca!
Lembro-me de também ter acreditado nisso. Acabar? Os Beatles? Provavelmente logo, para Joanie. E mais tarde voltaria à superfície, um dia na cozinha conversando com a própria filha.
Mas se algum dia, no vasto e crescente oceano do mundo De Joanie, eu encontrasse um ingês cabeludo chamado George, ou Ringo, ou Paul, ou John, eu lhe agradeceria por dar a minha filha o sentimento reconfortante de fazer parte da multidão, e por suavizar, com a cadência de sua música, o sofrimento, o medo, a solidão, o encantamento de estar crescendo. Obrigado, Beatles!

Nº 9

Esta entrevista com Paul McCartney foi publicada na revista Veja de 10 de maio de 1989. Só para lembrar: Paul viria ao Brasil em abril de 1990. Agradecimentos: Thiago Salim. Espero que gostem! Abração!

Estou em plena forma

Aos 46 anos, o ex-Beatle diz que o rock de hoje é ruim, informa que não virou um careta e sustenta que a prevenção da Aids começa em família.

Por Cristina Lopes de Medeiros

Um fã dos Beatles dos anos 60 que se encontrasse hoje com o compositor Paul McCartney na sede de sua empresa, a MPL, no coração de Londres, de onde comanda seus negócios no mundo dos espetáculos, julgaria ter errado de porta. Trabalhando febrilmente numa sala decorada com o mais sóbrio estilo inglês, vestido de forma mais convencional possível – com calça azul marinho e uma impecável camisa branca -, à primeira vista o ex-Beatle tem muito pouco em comum com o jovem qe criou junto com John Lennon a mais famosa banda de rock de todos os tempos, liderou uma revolução de costumes que transformou o mundo e compôs mais de 180 músicas que são sucesso há quase três décadas. Aos 46 anos, pai de quatro filhos – com idades entre 11 e 26 anos -, exibindo no rosto rugas que não se preocupa em disfarçar, Paul McCartney senta-se diariamente em sua escrivaninha, dá ordens nervosas ás suas secretárias e auxiliares e dirige um patrimônio avaliado em 670 milhões de dólares. Nos fins de semana, foge com a família para sua fazenda na Escócia, ou descansa em sua casa nos subúrbios de Londres.
Mesmo levando vida de executivo, não é difícil identificar em McCartney o ídolo da música. Simpático, descontraído e extremamente comunicativa, ele ainda exibe o mesmo carisma e a exuberância do tempo dos Beatles e parece em plena forma. “Paul McCartney pode ter envelhecido mas não ficou careta”, informa. Na semana passada, às vésperas de lançar na Inglaterra seu novo LP, Flowers in the Dirt – que inclui uma música em homenagem ao sindicalista brasileiro Chico Mendes, assassinado há 5 meses -, ele recebeu VEJA em seu escritório e falou de rock, ecologia, vida familiar e – como não poderia deixar de ser – dos Beatles e de John Lennon.

Veja – O que o levou a gravar uma música em homenagem ao líder sindicalista Chico Mendes?
McCartney – Ouvi falar nele pela primeira vez depois que foi assassinado. Os telejornais ingleses deram grande destaque à notícia e, a BBC fez um programa especial sobre ele e sua campanha pela Floresta Amazônica. O trabalho de Chico Mendes me comoveu. Sua preocupação com a preservação do meio ambiente e o bem-estar social, e o fato de ter sido assassinado justamente por isso, o transformaram para mim num personagem especial. Eu já havia composto a canção How Many Will Have to Die, que incluí nesse novo álbum, e decidi dedicá-la a ele.

Veja – Como vê a atuação de Sting, em favor da causa ecológica?
McCartney – Eu certamente não adotaria um índio, como ele fez com Raoni, mas acho que no seu caso o gesto é sincero e não tem nada de demagógico. É claro que sempre existe o perigo de interpretá-lo como um golpe autopromocional e suscitar criticas violentas – mas, a história é a mesma desde o tempo de Jesus Cristo. Qualquer um que estiver diposto a agir pelo bem da humanidade corre o mesmo risco. Bob Gerdolf, por exemplo, arruinou sua carreira depois do Live Aid – a série de espetáculos em favor da Etiópia: a causa o absorveu a tal ponto que ele nunca mais foi capaz de fazer um disco.

Veja – Não cabe ao Brasil preservar a Amazônia em vez de roqueiros ficarem fazendo isso?
McCartney – Não se pode responsabilizar o Brasil pela destruição da reserva de oxigênio do mundo. Nós mesmos, os ingleses, somos responsáveis por grande parte da destruição, junto com os outros países industrializados do norte da Europa. Quem provocou a chuva ácida, por exemplo? Compreendo que o Brasil agora explore suas florestas e concordo com seu direito de querer torná-las rentáveis. Talvez nós, países industrializados do Ocidente, possamos contribuir para que isso não signifique a extinção da fauna e da flora, subsidiando a preservação. Podemos fazer isso, pagando um preço elevado pela borracha e desestimulando a produção de carne ou cereais. Se nós quisermos preservar a floresta, a única saída é pagar por isso. Não se pode simplesmente dizer: “Ei, parem com isso, vocês vão estragar o ar que mundo respira”.

Veja – Nos tempos dos Beatles, você gostava de festas e badalações e hoje deixou de fumar, bebe pouco e aprecia sobretudo a vida doméstica. Como foi a mudança?
McCartney – Eu gostaria de ser uma eterna criança, mas, aos 46 anos e quatro filhos, você acaba sendo obrigado a ter uma certa maturidade. É claro que não virei um velho careta: estou em plena forma. Ainda adoro uísque escocês também, mas levo uma vida plenamente saudável: comida vegetariana, ar puro, boas horas de sono e nenhum trabalho nos fins de semana
.

Veja – Você acha que os jovens dos anos 80 são mais conservadores que os dos anos 60?McCartney – Não são mais conservadores, mas mais conscientes e, de uma certa forma, mais bem preparados. Na minha época, não se falava em sexo em casa, a gente descobria tudo sozinho. Havia muitos tabus, muita repressão. É natural, então, que a juventude dos anos 60 quisesse se liberar das convenções e romper todas as amarras. Hoje isso não é mais necessário, essas questões já foram discutidas e esclarecidas. Não existe mais a necessidade de revolucionar os costumes de uma forma drástica, como foi feita naquela época. Mas isso não significa conservadorismo. Essa nova mentalidade, mais aberta, mais condescendente, esse amadurecimento é o grande legado da revolução que nós lideramos.

Veja – Alguns conservadores apontam a Aids como a principal conseqüência dessa revolução. Você concorda com isso?
McCartney – A Aids é um mal que não saiu da cabeça de ninguém. Ela existe como uma nova peste e eu não acho que se possa culpar alguém por isso. Nós temos é que aprender a conviver com essa ameaça e fazer o possível para reduzi-la ao máximo. Mas naturalmente ela contribui para uma nova postura em relação ao sexo. É preciso ser muito mais cauteloso hoje em da e isso certamente reduz a liberdade sexual.

Veja – Que conselhos você dá a seus filhos a respeito da Aids?
McCartney – Nós discutimos o problema claramente. Eu e minha mulher, Linda, procuramos conscientizá-los de que hoje você precisa conhecer bem seu parceiro sexual para ter um risco menor de contágio. Sabemos que o relacionamento sexual entre os jovens é perfeitamente natural e por isso aconselhamos nossos filhos a tomarem certas precauções, como o uso de preservativos, e a considerarem o sexo como parte de um relacionamento afetivo.

Veja – Você já foi preso por porte de maconha. Como vê as drogas hoje em dia?
McCartney – Eu não sou um pregador da maconha, mas acho que existem muitas outras drogas mais nocivas que ela. Heroína mata, crack mata, cacaína mata, remédios matam. É assim que eu vejo as drogas.

Veja – Você não toma mais drogas?
McCartney – Olhe, eu não diria numa entrevista que tomo drogas. A privacidade neste caso é fundamental.

Veja – Você acha que os artistas têm um papel a cumprir no sentido de conscientizar as pessoas no combate às drogas e à Aids?
McCartney - Todo o artista tem um papel a cumprir, seja ele no sentido de combater aquilo que critica, seja no de despertar a consciência das pessoas. Mas não lhe cabe a responsabilidade de procurar “fazer cabeças”. Claro que um ídolo é sempre um modelo e o que ele faz, a maneira como se comporta e pensa é imitada por milhares de fãs. Na época dos Beatles, quando me perguntavam se eu não me sentia responsável pelos jovens que nos admiravam e copiavam, achava que não, que eles eram livres para fazer o que quisessem e que isso era problema deles. Hoje, como pai, eu já vejo as coisas de uma forma diferente. Os artistas têm um poder incalculável de influência sobre os jovens. Se eles puderem usar essa influência para divulgar boas causas, tanto melhor, mas não se pode atribuir-lhes o papel de gurus.

Veja – Quem é seu público hoje em dia: os jovens ou os antigos fãs dos Beatles que têm a sua idade?
McCartney – Os Beatles ainda são sucesso atualmente entre todas as gerações. É verdade que que o rock atual vive hoje uma crise de criatividade e isso contribui para reavivar o trabalho dos Beatles, mas o fato é que éramos realmente muito bons e nossas músicas não envelheceram. O principal problema do rock atual é que ele envelhece rapidamente . A maioria das composições é descartável. É claro que há trabalhos de excelente qualidade, mas a grande parte é feita numa base puramente comercial, o avanço das técnicas de vídeo e som contribuiu em muito para isso.

Veja – Porque os Beatles são sucesso até hoje, enquanto tantos novos artistas se alternam no trono da música pop? O que os Beatles tinham que Madonna e Michael Jackson não tem?McCartney – Falta-lhes profundidade. Falta-lhes qualidade musical. Parece pretensioso, mas é certo que as músicas de Lennon e McCartney eram muito melhores e, do ponto de vista musical, até hoje são modernas, intrigantes, ousadas, Michael Jackson, por exemplo, é um bom cantor, mas é sobretudo um show-man. É um grande bailarino, mas não toca nenhum instrumento. A diferença entre os Beatles e a maior parte dos novos ídolos do rock começa com a formação musical e a habilidade de extrair músicas dos instrumentos. Eu compus com Michael Jackson e compus com John Lennon e posso dizer que John era realmente um gênio musical. Ele podia não cantar como Michael Jackson e certamente não dançava como ele – a menos que estivesse bêbado, mas isso é outra história -, mas era um homem muito profundo e um músico excepcionalmente habilidoso.

Veja – Como era trabalhar com John Lennon?
McCartney – Era uma competição muito fácil e muito produtiva. Ele foi sem dúvida o melhor parceiro musical que já tive e um grande amigo. Tínhamos um perfeito entrosamento e mesmo nos momentos de maior tensão, pouco antes da dissolução do grupo, conseguimos manter a mesma sintonia. É claro que ele era uma pessoa difícil – autoritário, intransigente, impaciente, mas era fácil trabalhar com ele. E muito gratificante, porque cada um dava o melhor de si e conseguimos criar boas coisas, ás vezes em um mínimo de tempo.

Veja – É verdade que seu relacionamento com John Lennon piorou muito nas vésperas da morte dele?
McCartney – Sempre houve um certo ressentimento depois da dissolução do grupo, e os problemas com a nossa empresa, a Apple, só contribuíram para agravá-los. Mas no fundo continuávamos amigos, a nos querer bem e a nos respeitar. Pouco antes dele morrer, tivemos uma conversa pelo telefone sobre nossas famílias e nosso trabalho. Um papo descontraído, de dois velhos amigos, e foi uma das raras vezes em que não desligamos batendo o telefone um na cara do outro.

Veja – Em 1985, Yoko Ono, George Harrison e Ringo Starr moveram um processo contra você, acusando-o de abocanhar uma parcela desigual dos direitos autorais dos Beatles. Em que deu essa briga?
McCartney – Os Beatles nunca detiveram o controle sobre os direitos autorais de suas composições. Quando começamos, há mais de 25 anos, nosso contrato não nos dava nenhum poder, apenas recebíamos o dinheiro que nos era enviado pela firma Dick James, a primeira a deter esse controle. Depois ele foi vendido quando nós estávamos na Índia, sem que sequer nos comunicassem . Eles trocaram sucessivamente de mãos até chegar as de Michael Jackson, que comprou o controle sobre nossas canções há dois anos. O nosso grande problema desde a dissolução do grupo foi a gravadora Apple, que era nossa e que até hoje nos dá dor de cabeça. Nunca se conseguiu chegar a um acordo sobre partilha, e a situação está até agora nas mãos dos advogados. Todos os meses analisamos novas possibilidades para resolver a questão, mas há sempre um de nós que não está de acordo, e não se decide nada.

Veja – Isso contribuiu para deteriorar as relações entre os ex-Beatles?
McCartney – Certamente. Nós nunca vamos voltar a ser realmente amigos enquanto essa questão estiver pendente. É como se houvesse sempre uma tensão no ar. É como um divórcio – arrastado e desgastante. Quando essa situação finalmente se resolver, meus planos é compor com George Harison – nós nunca escrevemos uma música juntos. Ele mesmo está animado com a idéia, e é possível até que Ringo e nós façamos algo juntos quando nos livrarmos da Apple.

Veja – Seria a volta dos Beatles, embora sem Lennon?
McCartney – Não voltaríamos como um grupo, mas como velhos parceiros. Por que não?

Veja – Como é hoje sua relação com Yoko Ono?
McCartney – Nunca foi das melhores, mas é civilizada. Nos falamos de tempos em tempos por telefone e nosso contato é pequeno. Há alguns anos, eu quis comprar os direitos autorais das composições Lennon e McCartney, mas não queria comprá-los sozinho. O ideal seria dividi-los com John, mas como ele estava morto, propus fazê-lo com Yoko. A coisa simplesmente não funcionou e desisti da idéia. Hoje nos limitamos às conversas triviais.

Veja – Depois do assassinato de Lennon você intensificou sua segurança pessoal e da sua família?
McCartney – Quando estou exposto como ídolo, em shows e turnês, tenho sempre guarda-costas. Também evito circular muito em lugares onde haja multidões. Mas fora isso levamos uma vida perfeitamente normal e evitamos transformar a questão de nossa segurança pessoal numa paranóia.

Veja – Em 1986 sua fortuna foi estimada em 400 milhões de libras (700 milhões de cruzados novos). Ela cresceu desde então?
McCartney – Não posso me queixar de ter perdido dinheiro nos últimos tempos.

Veja – Você é um dos poucos megaastros do rock que não se exilaram da Inglaterra por causa do elevado imposto de renda cobrado no país. Por quê?
McCartney – Porque gosto de morar na Inglaterra, de trabalhar aqui. Então, se tenho que pagar impostos, eu pago. E olha que não é pouco.
Veja – Por que você escolheu a União Soviética para lançar seu LP do ano passado, Back in U.S.S.R.?
McCartney – Eu primeiro fiz um disco e estava pensando em como divulgá-lo. Então tive a idéia de fazer algo completamente inédito: lançá-lo primeiro na União Soviética, para só então lançá-lo no Ocidente. Assim, pela primeira vez, os russos teriam a primazia numa área predominantemente ocidental.

Veja – Então tudo não passou de um golpe publicitário?
Mccartney – Bem, inicialmente foi isso mesmo, mas a idéia pareceu-me válida porque seria também uma forma de agir em favor do meu propósito de derrubar fronteiras e estreitar laços. Tenho certo medo de levantar uma bandeira, a exemplo de Sting, e parecer ingênuo ou pretensioso, mas tenho um causa geral que é a paz, a cooperação entre a União Soviética e os Estados Unidos.

Veja – Por que até então você não se empenhara nessa causa?
McCartney – Antes era simplesmente impossível contatar as gravadoras soviéticas, por exemplo. Mas, mesmo na época dos Beatles, nós já contribuímos para mudar a mentalidade dos jovens russos. Não acho exagero afirmar que os Beatles tiveram grande influência sobre eles. Na época em que lancei o disco, há cerca de um ano, dei uma entrevista em Londres para uma revista soviética e perguntei aos jornalistas, dois tipos tipicamente agressivos da KGB: “O que vocês faziam na época dos Beatles?” Eles responderam: “Nós tocávamos suas músicas na guitarra e adorávamos vocês”. Foi uma sensação indescritível.

Veja – Você pretende fazer shows na União Soviética este ano?
McCartney – Não este ano, mas no próximo. Estamos organizando uma grande turnê internacional.

Veja – Ela inclui o Brasil?
McCartney – Inclui a América do Sul certamente, mas ainda não sei se inclui o Brasil. Eu gostaria muito. Já planejamos isso várias vezes, mas nunca deu certo. É um páis que me atrai muito, principalmente por causa da música.

Veja – O que você conhece da música brasileira?
McCartney – Não conheço nomes, mas conheço o som, e o que mais me atrai é a percursão, a melhor do mundo.

FIM