sexta-feira, 13 de julho de 2012

ELE ELA - AS CONFISSÕES DE PAUL McCARTNEY

De todas as matérias que já publiquei aqui na coluna “TESOUROS DO FUNDO DO BAÚ” ou “ARQUIVOS SECRETOS” (nunca consegui definir), a que eu mais gostei de fazer foi esta! Aliás, ela já era para ter sido publicada há algum tempo, mas toda vez que olhava para ela, achava grande demais e me dava uma preguiça danada. Mas esta semana resolvi encarar. A belíssima matéria “As Confissões de Paul McCartney”, foi publicada originalmente no Brasil na finada revista ELE ELA nº 29 de outubro de 1972. É absolutamente sensacional, abrangente e esclarecedora sobre o início do vôo de Paul McCartney em sua carreira solo. Um verdadeiro documento histórico que a gente confere agora com absoluta exclusividade do Baú do Edu. Espero que gostem. Boa leitura, abração!
Até que ponto uma mulher pode mudar a vida de um ídolo? Por causa de Linda Eastman, Paul McCartney rompeu com os Beatles e desapareceu por completo do público. Depois de negar-se, durante três anos, a conceder entrevistas, ele concordou em falar a uma repórter de Londres, Anne Nightingale. Na entrevista, aqui reproduzida com exclusividade, Paul dá a sua versão sobre a famosa briga com John Lennon, que teve Linda como pivô e pôs fim ao maior fenômeno de sucesso do século.
NINGUÉM sabe de fato quando a união de John, Paul, George e Ringo começou a andar para trás. Mas os sinais de desentendimento apareceram muito tempo antes de Paul McCartney finalmente anunciar: "Estou saindo." Desde então ele vinha se recusando a falar sobre a sua vida com os Beatles, e passou a levar uma existência quase reclusa. Mas agora resolveu ceder e concordou em se abrir, numa das primeiras entrevistas que concede em mais de três anos.
Do seu pequeno escritório localizado no último andar de um velho edifício de Londres, onde trabalha uma secretária — reduz-se a isso a sede da McCartney Productions — Paul mandou-me uma mensagem para encontrá-lo num clube no bairro de Hampstead. Era o tipo do lugar que parecia nunca ter visto a luz do dia. Tão deprimente como uma boate visitada à tarde, cheio de mesas e cadeiras vazias, e com um minúsculo palco. Paul havia alugado aquele clube para os ensaios do novo conjunto que formou, Wings (Asas). O local lembrava aqueles em que os Beatles tinham começado. Como The Cavern em Liverpool, ou o Star Club, de Hamburgo. Ele não estava lá quando eu cheguei. Seu conjunto, formado por Denny Laine, ex-membro do "The Moody Blues", Henry McCulloch, ex-Grease Band de Joe Coker, e Denny Seiwell, baterista que Paul descobriu na América, estava afinando os instrumentos. Um outro estava sentado atrás do painel de mixagem ao fundo do clube, procurando obter um som perfeito do complicado equipamento eletrônico. Quarenta e cinco minutos depois, Paul McCartney entrou. Fisicamente, um homem muito mudado. Nenhum sinal mais do estilo de cabelo "beatle", ou mesmo do cabelo longo que virou moda a partir dos Beatles. Ao contrário, o cabelo de Paul era curto, "penteado para trás. Vestia um estranho casaco listrado de "nylon". E junto com Paul entrou Linda, sua mulher, a moça que aparentemente e misteriosamente mudou sua vida e manteve a vida privada de ambos em completo segredo. Uma vitória desse gênero requer certa determinação, coisa que está claramente estampada no rosto dessa loura ex-fotógrafa de Nova Iorque. Pela mão ela trazia a pequena filha do casal, Mary, de ano e meio.
— Esta é Anne — disse Paul à garotinha. — Diga alô.
—Alô, Denny — disse Mary.
Deixamos por isso mesmo. Bem, esta é Mary Mac — disse Paul, afagando a menina. A família McCartney é tratada entre os amigos como Os Macs.
Paul apanhou sua guitarra e saltou para o palco. E com ele foi Linda. Porque Paul transformou a fotógrafa Linda Eastman em Linda McCartney, letrista e compositora. A senhora McCartney tomou seu lugar ao piano. Uma ideia imediata do modo de vida dos dois era dada pela sua surpreendente aparência. Porque a mulher de um dos mais famosos compositores e cantores do mundo estava longe da sofisticação e do luxo que se poderia esperar. Não tinha maquilagem, e vestia o que parecia um hábito de frade comprado num bazar de segunda mão. Nos seus pés estavam curtas botas fora de moda, e, subindo até as coxas, longas meias de lã. Uma cinza e outra azul-marinho. Paul começou a cantar. Pela primeira vez num palco desde que os Beatles deixaram de aparecer em público quatro anos antes. E em vez de uma ruidosa audiência de garotas aos gritos, tocava agora para meia dúzia de pessoas silenciosas, espalhadas na penumbra de uma boate vazia. Em poucos instantes encheu o ambiente o som da voz familiar de Paul McCartney, "rocking and rolling" um dos velhos números de Little Richard de que mais gosta, "Lucille". Seu estilo não mudou, nem o jeito com que balançava a cabeça de um lado para o outro e sacudia a guitarra para frente e para trás. O número terminou. Houve silêncio. "Obrigado", disse Paul McCartney ao microfone. Novo silêncio. "Obrigado", repetiu mais alto, e desta vez o "público" entendeu e rendeu-lhe um discreto aplauso. Mary Mac era a única entusiasmada. "A gente de Londres é difícil de agradar", comentou Paul. E então, continuou ensaiando o repertório do primeiro de uma série de concertos que pretende fazer com o Wings.
E mesmo estes estavam sendo organizados de uma maneira muito discreta. Paul não queria nenhuma publicidade antecipada, nenhum clamor de fãs, nenhum espalhafato. Ele e os Wings planejaram chegar a um colégio ou uma universidade de surpresa e aparecer no palco tocando e cantando suas músicas.Porque Paul está realmente começando tudo de novo. Após uma hora de ensaio de novas e inconfundíveis composições de McCartney, Paul pulou do palco, sentou-se a uma mesa e se explicou. "As pessoas parecem pensar que eu me transformei num ermitão ou coisa parecida. Mas não se trata disso. Meu problema em relação aos Beatles, basicamente, era que tudo partia de mim. Eu ia à casa deles muito mais do que eles vinham à minha. E por causa disso sofri muita crítica depois. Os outros diziam:"ele nos empurrou para que viéssemos todos a fazer "Magical Mystery Tour". "Magical Mystery Tour", um filme musical que os Beatles fizeram para a televisão esperando obter espetacular sucesso, foi um dos seus maiores e raros fracassos. Recebeu severas críticas, e Paul McCartney disse na ocasião: "O problema de ser os Beatles, é de que todos os nossos erros têm que ser cometidos em público." "De qualquer maneira", continuou Paul, "Magical Mystery Tour" tinha sido apenas uma "ideia" minha, que eu achei que valia a pena tentar. Depois de tantas ideias minhas que haviam dado certo, que diabo, eu tinha o direito de errar uma. Mas não, era o culpado. Sempre fui o culpado. Então resolvi ficar em casa por uns tempos e ver se os outros me telefonavam." Ele riu. "E lá fiquei por dois anos, e ninguém ligou! Mas eu realmente não estava querendo mais me envolver muito. Pareceu-me mais sensato."
Mas a rixa mais séria que dividiu os Beatles foi a respeito de Allen Klein, ex-empresário dos Rolling Stones, e que John Lennon propôs como o novo encarregado das finanças dos Beatles. Desde que Brian Epstein morreu em 1967, ninguém efetivamente ocupou seu lugar como empresário deles. Eles próprios organizaram a Apple e escolheram os diretores da companhia. E foi nesse instante, quando pareciam unir-se de vez, que começaram a se separar.
A Apple, uma utopia que nasceu para dar aos artistas esforçados de todo gênero a oportunidade que as outras companhias gravadoras e demais integrantes do complexo industrial-cultural nunca deram, estava já escapando ao controle. Todo dia o edifício estava lotado de poetas, pintores, cantores, desenhistas, letristas, cineastas, escritores, todos querendo que os Beatles lhes estendessem a mão protetora. Na verdade, o quar-tel-general dos Beatles, em Savile Row, não tinha espaço para tanta gente, nem suportava o peso de tamanha avalanche de artistas desamparados.
Apple: uma maçã envenenada - Paul McCartney tornou-se notório então pela sua constante ausência do local onde devia estar sempre. Dizia-se que ele reprovava totalmente a maneira como a Apple era conduzida. E seu Mini de janelas vedadas raramente estava estacionado no parque da Apple, ao lado do Rolls Royce branco de John e das Mercedes de George e Ringo.
Somente no verão de 1968, Paul começou a aparecer com frequência na Apple. E isto para lançar Mary Hopkin com seu "Those Were the Days", gravação que Paul produziu e que foi sucesso no mundo inteiro. Ele descobrira essa cantora galesa depois de um tefonema da modelo Twiggy, que tinha visto Mary Hopkin num programa de calouros da TV. E, como então Paul era o único que permanecia solteiro entre os Beatles, imediatamente a imprensa insinuou um caso romântico entre os dois. Ninguém notou a loura fotógrafa americana de "jeans" e pés descalços que tirava as fotos de Paul. Todos estavam muito ocupados, na época, com a rumorosa ligação John Lennon - Yoko Ono. Assim, a amizade de Paul McCartney com Linda Eastman, divorciada, filha de um advogado de Nova Iorque, cresceu em segredo.
Mas, nesse meio tempo, John e Yoko encontraram Allen Klein. George e Ringo concordaram com John em que Klein era o homem indicado para tomar conta dos negócios dos Beatles. Paul não concordou. Ele queria o pai de Linda para empresariar o grupo. E bateu o pé. Impasse. Paul recusou-se a assinar com Allen Klein, e John, George e Ringo mostraram-se inflexíveis na sua escolha. Era a primeira vez que os quatro não fechavam na mesma opinião. Então seguiu-se uma disputa legal que culminou dois anos mais tarde com uma ação de Paul junto à alta corte para dissolver a sociedade dos Beatles. Um oficial de justiça, segundo Paul, ainda está examinando a papelada do grupo.
"Estou satisfeito de ter colocado as coisas nesses termos", diz Paul. "De outra maneira eu não teria feito nada. Há certas situações que não sei resolver pessoalmente. E esta era tão complicada que não havia outra saída. Eu não tinha como fugir. Lembro-me de que me sentia um prisioneiro. Queria apenas que eles me deixassem sair, deixar os Beatles, ir embora e formar um novo conjunto." "Procurei botar na minha cabeça, o tempo todo, que não era por causa deles. Eles eram legais, e são legais. O problema era a situação, que escapava tanto do meu controle quanto do deles. Quando eu propus que devíamos rasgar o papel que nos mantinha juntos, Allen Klein disse a eles que isso "criaria problemas fiscais", o que os deixou preocupados. Na verdade, se o contrato fosse rompido, então, oficialmente, todo o dinheiro viria para nós individualmente. E cada um decidiria depois o que fazer com o dinheiro."
"Allen Klein está OK para os outros, provavelmente porque ele pôs em ordem os escritórios da Apple e acabou com a multidão que se apinhava à porta, e também porque é um cara simpático para praticamente todo mundo. Eles me disseram: "Sejamos amigos e deixemos nossa gente cuidar dos nossos negócios" Parecia de fato a saída mais fácil. Mas não era. Este é o problema, era o meio mais fácil de enrolar as coisas ainda mais."
O caso Allen Klein afetou tão profundamente as relações entre os Beatles que a mundialmente famosa dupla Lennon & McCartney, responsável por quase todos os grandes sucessos do grupo, nunca mais voltou a trabalhar em parceria. John Lennon e Paul McCartney não falaram um com outro e nem sequer se viram por mais de dois anos. John levou a briga ao ponto de dirigir insultos a Paul através da imprensa, e incluiu uma música no seu último álbum, Imagine, obviamente endereçada ao seu ex-companheiro: "How Do You Sleep?" ("Como Você Dorme?"). Pôs em dúvida a integridade de Paul e insinuou que Paul nada fizera de bom artisticamente desde que os dois se separaram. E quando Paul McCartney publicou seu álbum “Ram”, cuja foto de capa o mostrava segurando um carneiro ("ram") pelos chifres, John Lennon respondeu com uma fotografia na qual reproduzia a mesma pose de Paul, segurando um "porco".
Paul vivia agora em reclusão. Casou-se com Linda e passou a levar uma vida exclusivamente familiar, com a mulher e a filha do primeiro casamento desta, Heather, agora com nove anos. Quando Mary Mac nasceu, Paul declarou que estava pensando em fazer gravações em casa, e foi como se ele tivesse dito que havia se retirado completamente da vida pública e do maldito showbizz.
O aperto de mãos em Nova Iorque - Agora ele admite - "Os últimos dois anos foram ruins. Temos estado doentes" (referia-se a ele e Linda). Seu modo de falar dá a impressão de que os problemas legais e financeiros que o aturdiram desde que se opôs à contratação de Allen Klein tiraram uma parte dele. Hoje é um homem muito diferente do jovem "beatle" bochechudo e alegre que tinha um sorriso e uma canção para cada um.
Mas apesar das divergências sobre a Apple e o empresário Allen Klein, e dos insultos que andaram trocando, Paul McCartney reatou recentemente relações com John Lennon. O sangue "beatle" parece ser mais forte do que tudo isso. "Foi em Nova Iorque", conta Paul. "E o fato de ter sido bastante tempo depois da crise que dissolveu os Beatles ajudou muito. Porque, naquela época, tudo era demasiado "público" e político. Se eu procurasse John, seria como se estivesse representando um papel numa lenda." "Seja como for, eu e Linda nos voltamos então para vê-lo. E foi uma emoção para mim. Havia mais de dois anos que eu não via John. Eis porque fiquei tão nervoso. A última vez que eu o vira fora à mesa de reuniões da Apple. Dissemos um ao outro: "Olha, não vamos ligar para nada do que aconteceu. Pudemos verificar que havia ainda boas vibrações entre nós. O engraçado de tudo é que John e Yoko se parecem muito conosco, Linda e eu." O encontro ocorreu pouco antes de Paul gravar sua controvertida "Give Ireland Back To The Irish" ("Dêem a Irlanda de Volta aos Ir­landeses.") Por causa de seu conteúdo político; a música foi proibida em todas as estações de rádio da Grã-Bretanha, e Paul tornou-se objeto de furor de ambas as facções da luta na Irlanda do Norte. Mas para John Lennon, conhecido pelas suas ideias políticas, a homenagem vocal do ex-parceiro à Irlanda causou boa impressão: "John e Yoko têm uma maneira de pensar semelhante à nossa", diz Paul. "Eles não gostam que a Inglaterra tome conta da Irlanda. Ou da Rodésia. Temos muitos pontos em comum com eles. Na verdade, gosto muito de John e Yoko."
Assim, após as rixas públicas, as acusações mútuas na justiça, as trocas de insultos pela imprensa, e as referências desastrosas de um ao outro em capas de disco, Paul e. John fizeram as pazes num encontro secreto. Em parte por causa dos velhos laços que os uniam, em parte por causa da consciência política partilhada por ambos.
Mas é improvável que isso os leve a trabalhar novamente juntos. Enquanto John Lennon procura adquirir a cidadania americana e dedica boa parte do seu tempo à atividade política, Paul permanece na Inglaterra e pretende apenas escrever música. "No próximo ano haverá muitos ovos de ouro." Com isso quer dizer que Paul McCartney não morreu com os Beatles, e que mesmo longe deles será capaz de criar e oferecer ao mundo os formidáveis "hits" que fizeram do seu nome, na década passada, uma lenda.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

TESOUROS DO FUNDO DO BAÚ - JORNAL DO BRASIL

Esse texto que a gente confere a seguir, foi publicado no Jornal do Brasil, no dia 22 de agosto de 1988. Foi escrito por um tal Thomas J. Meier e publicado originalmente no "The Washington Post".
Ringo Starr nunca lia um contrato antes de assiná-lo. George Harrison preferia conversar sobre música indiana do que sobre o vil metal. John Len-non, convencido de que os Rolling Stones estavam faturando mais, chamou o empresário dos rivais para administrar as finanças dos Beatles — só para vê-lo ser preso, alguns anos depois, por sonegação de impostos. E Paul McCartney, recusando as escolhas dos parceiros, empurrou seu próprio sogro como empresário do grupo.
Enquanto os Beatles estavam ocupados conquistando o mundo musical nos anos 60, eles pouco sabiam de suas finanças. E, durante dois anos, ninguém cuidou delas. A história destas complicações — e as tensões no interior do grupo — está contida no processo aberto pela Apple Records, a empresa do quarteto, contra suas antigas gravadoras, a Capitol e a EMI. Um tribunal de apelação abriu recentemente o caminho para um julgamento, marcado para o início do ano que vem, na Corte Suprema de Nova Iorque.
Os Beatles alegam que a Capitol vendeu secretamente ou desviou para o comércio varejista 19 milhões de discos, entre 1969 e 1979, o que lhes renderia mais de US$ 30 milhões em royalties. A demanda judicial tenta também forçar a Capitol a devolver as matrizes dos discos dos Beatles, uma preciosidade feita ainda mais valiosa pelo emer­ente mercado do compact-disc, que segundo estimativas da Apple, poderia render-lhes mais de US$ 100 milhões em futuras vendas.
A Capitol, filial americana da inglesa EMI, classificou as alegações da Apple de absurdas e disse que grande parte da batalha deve-se apenas a interpretações diversas do contrato dos Beatles. Toda esta polêmica remete à própria essência das relações de negócio entre uma companhia gravadora e seus artistas.
Se for vitorioso, dizem os especialistas, o processo poderia ter um impacto significativo na indústria do disco. E faria as gravadoras mais responsáveis por cada tostão faturado por cada grupo musical. Os artistas frequentemente evitam as disputas judiciais, temendo danos a suas carreiras.
As gravadoras também correm grandes riscos. Mais de 3/4 de todos os álbuns dão prejuízo. Mas quando um disco cai no gosto do público pode ser uma mina de ouro. No ano passado, as vendas de discos de vinil e compact-discs chegaram a US$ 5,6 bilhões nos Estados Unidos e a US$ 16 bilhões em todo o mundo.
Conseguir melhor participação nos royalties pode representar milhões para um conjunto de sucesso. Mas muitos dos grupos campeões de vendas, particularmente os que começaram nos anos 60, em pleno flower power, tiveram que aprender pelo caminho
mais duro. "Era um pântano", lembra Elliot Hoffman, veterano advogado que foi conselheiro da Virgin and Island Records. "Nos velhos tempos, as gravadoras costumavam fazer contratos verbais. Hoje existem artistas cujos contratos estipulam auditorias nas cifras de vendas e nos custos de produção."
A riqueza dos Beatles é notável, se considerarmos seu escasso interesse nas finanças nos anos iniciais. Seu primeiro empresário, Brian Epstein, dava-lhes apenas US$ 80 por semana. "Parece uma piada", comentou George Harrison. "Basicamente, o trato era que receberíamos uns trocados por semana e as despesas correriam por conta dele."
O acordo que Epstein faria com a EMI/Capitol dava grande margem de manobra à gravadora — um ponto melindroso no atual processo. Pelo primeiro contrato, os Beatles tiveram que receber menos de US$ 0,10 por cada álbum vendido com êxitos como Hards day's night e Rubber soul. O tópico mais quente da disputa judicial, no entanto, é a acusação da Apple de que a Capitol mentiu ao dizer que discos do Beatles eram triturados, refundidos e então reprensados como novos discos. Em vez disso, segundo a Apple, eles eram vendidos ou dados a donos de lojas como brindes, para ganhar espaços nas vitrines para outros artistas da Capitol.
Todo esse processo está sendo acompanhado atentamente pelos advogados de todos os artistas de sucesso. Assim como os Beatles ficaram multimilionários à medida em que ficaram mais astutos nas questões financeiras, muitos músicos de hoje cercam-se dos melhores assessores jurídicos e econômicos na hora de assinar cada contrato.
"Nós notamos que os intérpretes e compositores estão se tornando bem mais sofisticados em relação ao lado comercial de suas vidas", diz Robbin Ahrold, executivo da EMI, a maior associação de compositores do mundo. "As pessoas criativas de hoje estão muito mais conscientes em relação à confiabilidade e responsabilidades dos contratos."
Mas mesmo atualmente Ringo Starr diz achar a indústria musical um enorme mistério. "Eu nunca me interessei", garante ele. "Sou um músico. Meu negócio é ir para o estúdio, fazer minha parte. Do resto que os outros cuidem. Até hoje não sei, quando faço um disco, como ele acaba terminando nas prateleiras das lojas."

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

THE BEATLES - CAMPEÕES DE VOLTA

Esta matéria que a gente confere a seguir, foi publicada na revista VEJA em 16 de novembro de 1988. Vinte e três anos atrás. O curioso é que o “blá blá blá” da gravadora é o mesmíssimo de 2009 (mais de 20 anos depois!) quando todos os CDs foram hehe-masterizados. Again and again and again... Tome, beatlemaníaco! É pouco?
CAMPEÕES DE VOLTA
Os melhores LPs dos Beatles são lançados em compact disc e ganham as vantagens da tecnologia digital
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Alguns dos lançamentos musicais mais quentes deste final de ano não levam a assinatura de astros do momento ou revelações da temporada. Eles trazem a música dos Beatles, os velhos e imbatíveis campeões da música pop que nos anos 60 auxiliaram a mudar o mundo influenciando milhões de pessoas com sua música e seu comportamento. Esta semana, a gravadora EMI/Odeon, que detém os direitos sobre praticamente toda a obra produzida pelo grupo até sua dissolução, em 1970, colocará nas lojas um pacote capaz de deixar em polvorosa os fãs do conjunto e que atende à discoteca de quem quer que goste de boa música. A grande estrela do pacote é o lançamento, em compact discs, ou “CDs”, dos treze melhores ou mais populares LPs gravados pelos Beatles. Dois deles, The Beatles (o "álbum branco") e Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, só chegarão às lojas na semana que vem. Para adaptar as gravações do conjunto, feitas em equipamentos há muito obsoletos, à tecnologia do CD e dos toca-discos com feixes de raio laser em lugar de agulhas, a gravadora foi obrigada a reprocessá-las para o sistema digital, em que se usa a memória de computadores em lugar das fitas convencionais. O processo permite que mesmo gravações feitas em equipamentos muito rudimentares ganhem novo brilho, sonoridade e precisão. Aproveitando a manobra, a gravadora lançará os mesmos treze discos também em fitas de cromo, que têm qualidade de reprodução superior às fitas usadas habitualmente, e substituirá os LPs comuns dos Beatles, que nunca chegaram a sair de catálogo, por LPs feitos a partir das gravações reprocessadas. Assim, mesmo os ouvintes que ainda não ingressaram na era do compact disc poderão a partir desta semana substituir sua coleção de LPs e fitas do conjunto por outra de sonoridade superior.

APOSTA — O destaque do pacote Beatles são os CDs, lançados com uma tiragem astronômica para os padrões brasileiros — 112.000 cópias. De cada CD serão colocadas nas lojas 8.000 unidades, quando as tiragens de CDs nacionais são de no máximo 3.000 cópias. A aposta numa vendagem recorde, apesar de cada CD custar cerca de 11.000 cruzados, baseia-se no estrondoso sucesso que a obra dos Beatles em compact discs teve no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. Nesses três mercados, onde o CD substituiu gradativamente os discos convencionais, foram vendidos 10 milhões de CDs dos Beatles. Na esteira desse êxito, os antigos sucessos do conjunto aportaram nas rádios, fazendo companhia às maiores estrelas do rock dos anos 80. A grande vantagem do encontro entre os Beatles e a tecnologia moderna é que ele permite um exame mais detalhado da obra do conjunto musical mais influente do mundo até hoje. Nessa análise, pode-se separar o que tem inegável qualidade do que envelheceu nos vinte anos que se passaram.
A audição dos treze CDs da coleção permite separar a obra dos Beatles em três momentos distintos. A fase inicial — em que a maior parte das músicas são regravações de sucessos dos primeiros tempos do rock'n'roll —, as trilhas sonoras de filmes e a fase das obras-primas. Embora se note uma progressiva melhora de qualidade no decorrer do trabalho do grupo, é possível se detectar ótimos momentos em cada uma das três fases. Em Please Please Me e With The Beatles ouvem-se versões para sucessos da época — como o clássico Roll Over Beethoven, de Chuck Berry, ou Please Mister Postman, música que se tornou uma espécie de emblema do romantismo adolescente no início dos anos 60 nas vozes das cinco garotas do grupo The Marvelettes.
Em outras regravações de sucessos, como Baby lt's You e Boys, os Beatles incorporam de maneira bem-humorada clichês do rock dos anos 50, como os indefectíveis corinhos com cha-la-las e hey-heys. Essa intenção de paródia está presente até nas primeiras composições de Lennon e McCartney, como P.S. I Love You, em que a batida da música descamba para um ritmo de bolero — algo pouco usual para uma banda de rock. Entre as trilhas sonoras de filmes, duas delas — A Hard Day's Night e Help! — antecipam os melhores momentos do conjunto. Elas representam uma transição entre a fase das regravações e a plenitude criativa da dupla Lennon e McCartney. A Hard Day's Night é o primeiro LP em que todas as músicas são assinadas pelos Beatles. Help!, embora não seja um disco exuberante, traz alguns dos maiores sucessos da
banda, como Yesterday e a faixa-título. Duas outras trilhas sonoras — Yellow Submarine e Let It Be — pertencem a filmes realizados depois da fase das obras-primas e não estão à altura dos discos que as precederam. É como se os Beatles atravessassem um período de transição que não chegou a se concretizar porque o grupo se separou pouco tempo depois.
LONGEVIDADE — É na fase de apogeu da banda — que vai de Rubber Soul ao Álbum Branco — que a tecnologia moderna traz mais luzes ao trabalho dos Beatles. É possível se ouvir, com a sonoridade límpida dos CDs, o maravilhoso arranjo de cordas que emoldura o clássico Eleanor Rigby, faixa do LP Revolver: Como instrumentos e vozes estão gravados em canais diferentes, o ouvinte pode girar o botão do amplificador e se deliciar só com a melodia ou com as sutilezas da instrumentação. O mesmo acontece com a música Yellow Submarine, do mesmo LP, em que os instrumentos de banda se mesclam aos mais inusitados efeitos sonoros para lhe imprimir uma atmosfera marcial.
Nos dois discos fundamentais dos Beatles — Sgt, Peppers Lonely Hearts Club Band e o Álbum Branco — não se aconselha a brincadeira de separar a voz dos instrumentos: o violino que pontua a belíssima She's Leaving Home, por exemplo, não tem sentido longe da voz de Paul McCartney. O acabamento impecável do Álbum Branco inclui vinhetas entre canções memoráveis como a deliciosa Ob-la-di Ob-la-da e a despojada Blackbird.
A conclusão a que o ouvinte chega ao cortejar essas obras-primas com os primeiros sucessos do conjunto é que os Beatles, mesmo experimentando reviravoltas que sempre anteciparam as tendências mais modernas do rock da década — e esta capacidade de antecipação é exatamente o segredo de sua longevidade —, trilharam um caminho admiravelmente coerente. A multiplicidade de ritmos empregada em álbuns como Sgt. Pepper’s só foi possível porque, em seus primeiros discos, os Beatles regravaram amostras de quase todos os gêneros da música pop da época. Mas não é a multiplicidade, e sim a qualidade de sua obra, a razão de “The Beatles” soarem atuais quase vinte anos após sua separação — e resistirem à prova de fogo da tecnologia digital.
E é isso. Para finalizar a gente fica com The Beatles e outro de seus grandes sucessos: Hello Goodbye. Valeu! Abração!

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Nº 1

Mexendo e remexendo lá no fundo, bem lá no fundo do Baú do Edu, procurando coisas legais para colocar aqui para vocês, encontrei um tesouro de valor absolutamente inestimável! Pelo menos para mim! São pastas e mais pastas onde, nos anos 70, eu, um jovem beatlemaníaco alucinado, colecionava tudo que se relacionasse aos meus ídolos. Desde de anúncios classificados, a matérias publicadas na Veja, Life, O Cruzeiro, Seleções, Som Três, Pop, etc, etc, etc... Todas essas matérias (pelo menos as mais significativas) vou colocar aos poucos aqui no nosso blog preferido sempre com o selo “TESOUROS DO FUNDO DO BAÚ”.

Para começar, escolhi aleatoriamente essa da revista Veja sobre o "Album Branco” publicada em 27/11/1969. Os Beatles ainda nem tinham se separado! Num tempo em que o crítico nem assinava a matéria, ele acaba com os Beatles, com Lennon e se mostra com total falta de informação e respeito. É curioso rever todas essas coisas e constatar que é sempre necessário lembrar que os discos que chegavam aqui, vinham com mais de dois anos de atraso. Espero que gostem do tanto que gostei e fiquei feliz em reencontrar meu velho tesouro que não via talvez, há mais de 30 anos. Valeu! Abração!


OS BEATLES NUS – REVISTA VEJA 27/11/1969
Gostam mesmo é de rock, estão cada vez mais ricos, lançam um novo disco de canções suaves


John Lennon não tem medo de fumar maconha, nem de aparecer pelado junto da mulher na capa de seu novo disco, “As Duas Virgens”. Mas tem medo de que o novo album dos Beatles, um volume duplo, com 27 músicas, lançado semana passada em Londres, seja comparado – para pior – com o anterior “Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Este foi saudado como uma revolução de sons e inéditas harmonias, e o novo é feito na base de canções românticas, despretenciosas e nostálgicas. “O que fizemos nesse disco ultrapassa o anterior”, adverte Lennon, e cita os títulos das canções do novo álbum como prova de que os Beatles não pararam: “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Glass Onion” (Cebola de Vidro), “Everybody’s Got Something To Hide Except Me and My Monkey” (Todo mundo tem alguma coisa para esconder, menos eu e meu macaco), “Hapiness is a Warm Gun” (A felicidade é uma arma quente) ou “Why Don’t we do it in the Road” (Por que não fazemos isso na rua?). E mais: os Beatles ouvem sem parar canções de dez anos atrás e Lennon sustenta, modestamente, que “isso nós ainda não conseguimos fazer”. O novo álbum – sem título – é o primeiro dos Beatles desde “Sergeant Pepper’s” (lançado em agosto do ano passado), e nesse meio tempo o conjunto foi notado só pelos compactos e por alguns incidentes extramusicais: a prisão de Lennon e Yoko, há três meses, por fumarem maconha, a foto dos dois na capa de “As Duas Virgens” (com os críticos referindo-se mais à nudez externa do que ao disco dentro do envelope) e o fracasso do filme que fizeram para a TV inglesa, “Magical Mystery Tour”. O trabalho de agora é quase todo inspirado pela meditação que os Beatles fizeram ano passado na Índia. Há uma canção de Paul McCartney para seu cahorro e uma letra de Lennon (“Julia”) dedicada à sua mãe. Lennon diz por que foi quase tudo composto para guitarra: “Eu não conheço os acordes e por isso é mais fácil escrever para um instrumento de poucas notas”. Ele faz a autocrítica do conjunto: “Nós queríamos fazer antigamente o que fazemos hoje, mas não tínhamos experiência. Ficávamos com medo de certos acordes por que achávamos que eram comuns. Por isso a volta às origens, em “Revolution”, foi uma libertação”. E, na hora de fazer as letras, Lennon ficava engasgado “naquele di, du, di, du, dôo, da guitarra”.
Que fazer diante de tantos problemas? Lennon se explica: “Todo mundo diz que devemos fazer isso ou aquilo, mas o nosso negócio mesmo é o rock”. Ao cineasta Jean-Luc Godard (“A Chinesa”), que rodou há pouco um filme com os Rolling Stones e que acusou os Beatles de “ficarem quietos, sem denunciar a estrutura social”, Lennon respondeu com certa irritação que os Beatles já fizeram muito, inclusive uma exposição de esculturas com caixas de esmolas, envoltas em balões com a legenda “Você está aqui”. Ele, Lennon, também tem feito muito ultimamente. Adora a nova mulher e diz que sofre grande influência dela: “Nós produzimos idéias um para cima do outro, que nem o Flint”. O destino dos Beatles é ressucitar o rock? Lennon responde com voz pausada e ritmada: “Durante anos não fomos nós mesmos. Agora somos. Temos boas intenções. Somos boas pessoas. Nosso trabalho deve mostrar essa bondade. Amém.”

Nº 2

É indiscutível o tanto que a década de 70 representou para a história da Cultura Pop do século XX - quase do mesmo tanto, ou mais, que os próprios anos 60 - "A Era dos Beatles!". Num mundo que, sequer era impossível sonhar em internet, havia uma revistinha que era "jóia" para fãs ávidos como eu por notícias dos seus ídolos. Nesse tempo, que hoje parece tão distante, havia uma revistinha mensal, publicada pela Editora Abril, que, de certa forma nos conformava com essas poucas notas. Era a "POP". Ou simplesmente a "Revista Pop". Ou, usando o nome formal, "Geração Pop". O Brasil, era supercarente de informação. Em tudo havia censura. Mas a revista insistia na teimosia de ser apenas informação para os jovens! E isso incomodava! É claro, falava de moda, skate, surf e outras tantas baboseiras... mas o grande enfoque era sempre o que estava acontecendo no mundo da música, do rock. Essa hoje "clássica" publicação, resistiu bravamente por 7 longos anos, entre 72 e 79. Teve seu final fatídico depois de 82 edições. Era cara, e em 1977, um "durango" como eu não tinha grana para acompanhar. Pois bem, certo dia, na casa de um amigo, estava lá a edição novinha que, na capa, tinha uma chamada para o "primeiro depoimento inédito" de Paul McCartney sobre o fim dos Beatles! Nem pensei duas vezes! Arranquei as páginas de forma carinhosa que achava que ninguém fosse perceber. E por mais de três décadas guardei e escondi o produto do roubo como se fosse um troféu! Olhando para o passado, percebo que foi um erro. Se tivesse pedido, ele teria me dado. Mas a emoção era muito maior! Quando ele finalmente percebeu que as páginas da sua revista haviam sido roubadas, nunca mais falou comigo! Achei justo! Como disse, é como um trófeu! Desculpe, Raimundo! Foi por uma boa causa. Tenho certeza que agora você entende! Valeu! Abração! Com carinho, especialmente para você: "AS CONFISSÕES DE PAUL MCCARTNEY"! Publicadas na "POP" de abril ou maio de 77. Infelizmente, não pude levar a capa!

Pela primeira vez, desde a dissolução dos Beatles, Paul McCartney conta tudo sobre o fim do maior grupo que a música pop já conheceu. De quebra, revela todos os lances do nascimento do Wings, suas certezas e inseguranças, num depoimento exclusivo ao jornal inglês Daily Express e à revista POP.

“Eu nunca teria deixado os Beatles, se os outros músicos não o tivessem feito primeiro. Na época, as pessoas viviam me perguntando quando eu voltaria para o gupo. Mas, elas não sabiam que minha volta era impossível. Nenhum dos outros queria continuar.”

“Na verdade, o grupo só sobreviveria se eu chegasse com o rabo entre as pernas e pedisse: ‘Por favor, rapazes, vamos continuar com a banda?’ E mesmo se eu resolvesse assumir essa posição humilde estaria arriscado a levar um sonoro NÃO ! pela cara. De qualquer modo, o que me magoa nesse período da história dos Beatles é que sempre saí responsabilizado pelo fim dos Beatles. E eu fui o último da banda a querer isso.”

“Ringo foi o primeiro a deixar o grupo. Ele entrou numas que tocava bateria muito mal, e nós tínhamos que conversar com ele por horas a fio, tentando de toda forma convencê-lo do contrário. George foi o segundo a desistir, o que aconteceu durante as filmagens de Let It Be. Ele não conseguia ver futuro nos Beatles, talvez por estar entrando naquelas de mundo espiritual... Na semana seguinte, quando ainda tentávamos digerir a decisão de George, John entrou no escritório da Apple e lançou uma nova bomba, anunciando sua decisão de deixar os Beatles. Resolvemos esperar e ver se John mudava de idéia. Conversamos muito. Mas ele nunca mudou de idéia...”

“Assim ao contrário do que sempre comentam, eu fui o último músico dos Beatles a aceitar a dissolução do grupo. Mas, vocês entendem, eu não poderia ficar chupando o dedo, à espera que John, George e Ringo decidissem voltar para o conjunto. Desse modo, resolvi formar o meu próprio grupo, mesmo sabendo que a parceria de John iria fazer uma imensa falta. Afinal, nós sempre ajudávamos um ao outro nas idéias musicais.” “Bolei o nome de Wings quando Linda estava no hospital, dando à luz a Mary. É claro que, nesse caso, a maioria dos pais estaria pensando no nome que daria ao filho: mas eu e Linda só pensávamos no nome do grupo o qual acabávamos de formar. Afinal, registramos os dois nomes (Wings e Mary) no mesmo dia. O sujeito do cartório, é claro, achou estranhíssima toda aquela confusão...”

“O grande problema dos Wings, no início, era a grande expectativa que todos tinham com relação ao grupo. Os Beatles começaram tocando para platéias, que esperavam muito pouco do nosso som. Desse modo, tivemos tempo para amadurecer e, finalmente, criar algo realmente bom. No caso dos Wings, porém, todo mundo queria ouvir ‘o novo grupo do Paul McCartney’, e não uma banda que estava apenas começando, em busca de uma personalidade musical. Para um grupo novo, o ideal é enfrentar platéias que não prestam muita atenção à música, dando oportunidade aos músicos para avaliar as reações da garotada. Mas nós nunca tínhamos oportunidade de errar no palco. Nossos erros eram detalhadamente apontados pela imprensa, que esperava de nós uma tola perfeição.”

“As críticas negativas que recebemos no início foram duras de aceitar. As pessoas escreviam que a única saída para os Wings seria contratar John, George e Ringo. Escreviam que os LPs dos Wings eram ridículos e ingênuos. E, quando todo mundo começa a dizer que você é ruim, você começa a desconfiar do trabalho que está realizando..” Se eu fosse um músico em início de carreira, se o Wings fosse meu primeiro grupo na vida, até que as críticas seriam aceitáveis. Afinal, era o meu nome saindo no jornal! Mas quando você já esteve lá em cima, liderando a maior banda da música pop, as críticas começam a soar um pouco diferente.”

“Um dos principais comentários da imprensa (e até dos amigos) era que Linda não possuía o menor nível musical para estar no Wings, como tecladista. O guitarrista Henry McCullough e o baterista Denny Seiwel, que iniciaram o Wings junto conosco deixaram o grupo por diferenças musicais com Linda. Diariamente, eles me diziam: ‘Paul, não leve a mal, mas linda não tem nada a ver com a gente’. E eu respondia sempre. É difícil explicar com palavras, mas sei que existe um bom motivo para Linda estar conosco. Todo músico tem que perder a sua ‘virgindade artística’, ou seja, o medo de se apresentar em público. No caso de Linda – reconheço – esse processo foi bastante doloroso. Lembro-me de uma noite terrível, durante um circuito universitário, que fizemos no início do grupo. Íamos tocar a música Wild Life e Linda deveria introduzi-la com quatro acordes de piano. Eu virei para o grupo e fiz a clássica: um, dois, três, já! Nada de piano... Olhei para Linda e ela me sussurrou: ‘Esqueci os acordes!’ Ainda bem que a platéia pensou que aquele lance tinha sido planejado por nós...”

“Em 1973 nós buscávamos desesperadamente uma fórmula de sucesso para o Wings. Nas entrevistas, as pessoas só perguntavam sobre a volta dos Beatles, e eu já estava ficando cheio! Desse modo, decidimos gravar nosso LP seguinte em Lagos, na Nigéria, pensando que seria um bom refúgio espiritual. Na verdade, logo que chegamos lá fomos vítimas de assalto. Quatro sujeitos se aproximaram enquanto dávamos um passeio pelas ruas, e nos deixaram quase nus! Levaram tudo, desde o meu blazer inglês até as botas suecas de Linda. De qualquer modo, Band on the Run, o LP o qual gravamos lá, foi nosso primeiro disco de sucesso, vendendo mais de um milhão de cópias. A própria capa do disco é uma tentativa de representação do assalto. Depois de Band on the Run, o público passou a nos aceitar como uma grande banda de rock.”

“Fazendo um balanço de sete anos de Wings, algumas revelações são realmente surpreendentes. Nos últimos dois anos, por exemplo, ganhei muito mais dinheiro que em todo o período em que os Beatles estavam vivos. Explica-se: durante os anos de ouro dos Beatles, nunca sabíamos a quantas andavam as nossas finanças. Aquele canalha do Allen Klein fez a cabeça de John, George e Ringo, jogando todos eles contra mim. Nos últimos anos os negócios da Apple eram simplesmente inacreditáveis: todos ganhávamos dinheiro, mas recebíamos salários bem pequenos. O resto ia para a empresa, em nome de um fundo que nunca chegamos a ver...”

“Na verdade, nunca chegamos a ver um tostão de direitos autorais sobre tudo o que se inventou sob o nome Beatles: bolsos, chaveiros, perfume, perucas, talco, roupas, souvenirs e uma série interminável de coisas. Allen Klein detinha os direitos sobre tudo que levava o nome Beatles, e nunca nos deu uma prestação de contas a qual pudéssemos considerar como satisfatória. Essa situação só foi moralizada quando contratei o pai de Linda como advogado. Aí, tudo veio á tona, e George e Ringo me deram razão. Na verdade, John é o único que resiste a aceitar a realidade. Ele sempre foi um grande cabeça dura. Foi a partir desse ponto que nos tornamos amigos. E foi exatamente pela mesma razão que acabamos brigando...”

Nº 3

Chamar Paul McCartney de gênio é uma coisa normal. Ao lado de John Lennon formou a dupla de compositores de maior sucesso da história da música. É um excelente produtor e multi-instrumentista como poucos. Escolheu o baixo como ofício. Também toca, e muito bem, guitarra, piano, bateria ou qualquer outro instrumento que parar em suas mãos. E ainda é também é um dos maiores, senão o maior, cantor do rock de todos os tempos. Além de toda esta excelência musical, Paul McCartney tem outro grande talento, o cuidado com sua imagem. Olhando para trás, desde o início de sua carreira, no final dos anos 50 até os dias de hoje, é difícil encontrar fatos que possam arranhar sua imagem de bom moço, um Beatle que conquistou a realeza britânica e foi nomeado Sir. No entanto, um problema de Paul envolvendo drogas chegou às manchetes mundiais no início de 1980. No dia 16 de janeiro, ao desembarcar no aeroporto de Tokyo com a mulher, os filhos e os Wings, ele foi preso com 225 gramas de maconha. Paul ficou em cana por mais de uma semana. Disse que antes de viajar estava em Nova York com um fumo muito bom e como não tinha certeza se encontraria alguma erva no Japão, resolveu levar a mercadoria. “O negócio era bom demais para jogar na privada, então eu resolvi levar comigo” afirmou Paul. Ele também admitiu que esta foi umas das coisas mais imbecis que já fez na vida. Sua prisão no Japão também decretou o fim dos Wings. Os músicos Denny Laine, Laurence Juber e Steve Holly, insatisfeitos com a perda do contrato das apresentações (consequentemente, com a grana que iriam ganhar com os shows) e com uma remuneração baixa, resolveram cair fora!

Neste 3º capítulo de “Tesouros do Fundo do Baú”, extraída da revista Manchete de 25 de janeiro de 1980, uma pequena matéria sobre a prisão de Paul no Japão. Valeu! Abração!

PAUL McCARTNEY – O BARATO SAIU CARO!
Na desastrosa relação entre o rock e as drogas, um dos mais divulgados capítulos vem sendo escrito desde semana passada. O cenário era clássico: no aeroporto de Narita, Tóquio, milhares de fãs superexcitados aguardava a chegada de Paul McCartney e seu conjunto Wings para uma série de 11 apresentações no Japão. Inevitavelmente, a imprensa estava lá – em peso. O sorridente Paul McCartney apareceu de moço bem-comportado, com mulher e filhos, mas, ao que parece, as autoridades japonesas já estavam de olho em sua bagagem. Procuraram e encontraram: 220 gramas de maconha. E, em vez do palco, Paul McCartney acabou na cadeia, levantando-se, no Japão, grande polêmica sobre as severíssimas leis envolvendo drogas. Mas não é a primeira vez que o ex-Beatle enfrenta esse tipo de problema. Em 1972, por exemplo, em Gotenburgo, na Suécia, ele chegou a admitir o consumo de haxixe e o contrabando para aquele país, sendo multado em dois mil dólares. No ano seguinte, sofreu nova multa – desta vez por cultivar maconha em sua fazenda na Escócia.

Ele chegou a Tóquio, o filho no colo e a mulher, Linda Eastman, pelo braço, sem demonstrar qualquer preocupação aparente, para fazer um total de 11 concertos com seu conjunto Wings. Mas a alegria de Paul McCartney e seus fãs iria durar pouco. As autoridades japonesas estavam de olhos bem abertos.

Até o início desta semana, a juventude japonesa estava mobilizada pelo affaire McCartney. Com os concertos cancelados - e um prejuízo calculado em pelo menos um Milhão de dólares – as rádios oficiais proibidas de apresentar músicas de Paul (enquanto as particulares tocavam adoidado “atendendo a pedidos”), alguns achavam que era “inocente, pois não conhecia as leis japonesas”, enquanto outros reconheciam: “Ele agiu mal.” Enquanto isso, na cadeia, o cantor e compositor entrava no regime de acordar às seis da manhã e dormir às oito da noite; na justiça ainda se discutia o que fazer: formalizar a acusação de posse de drogas (mantendo-o sete anos na cadeia, mais dois mil dólares de multa) ou simplesmente expulsá-lo do país. Pelo sim, pelo não, os Wings se mandaram. Mas Linda espera por Paul.

Os policiais japoneses escoltaram um Paul McCartney já algemado para a delegacia. Os fãs tentaram tumultuar a prisão, e muitos não entendiam o que estava acontecendo, mas as provas eram muito evidentes. Em sua bagagem foram encontradas cerca de 220 gramas de maconha.

Nº 4

Este artigo foi publicado na revista SOM TRÊS de setembro de 1979. É um review assinado por Ana Maria Bahiana, sobre o lançamento do álbum George Harrison.


Nove anos de música na vida do jardineiro George

"Não consigo pensar na minha vida como uma carreira, hoje. Gosto de música, de tocar minha guitarra, mas é só isso. Acho mais importante ficar com meu filho, minha mulher e cuidar do meu jardim. Me considero, basicamente, um jardineiro".


Há jardins na casa de George Harrison (WEA) e de All Thing Must Pass (EMI). E nove anos separando um do outro. Na recente e curtíssima – e curtíssima – passagem pelo Brasil, George não falou em nenhum dos dois – embora, teoricamente, tenha vindo divulgar o segundo – mas do tempo dos jardins e dos Beatles. Havia uma sensação estranha em olhar aquele homem muito velho para seus 36 anos, muito sereno para quem viveu tudo que viveu: a sensação de que todos ali – jornalistas, fotógrafos, ele mesmo – estavam vivendo uma fantasia, uma trip, uma irrealidade, que estávamos todos representando uma entrevista com frieza e profissionalismo, porque não podia ser verdade. Não é mesmo, George Harrison realmente não existe, é uma imagem de celulóide, uma impressão numa folha de jornal, uma voz sem corpo numa caixa acústica.
Em algum ponto da entrevista você percebe que ele sabe disso. Que olha a si mesmo de fora, e sabe que não tem, na verdade, carreira nenhuma a manter, imagem nenhuma a cultivar, que já tinha provado tudo que precisava provar e deixado a si mesmo lá atrás, lá longe, como a casca de uma cigarra.
E, no entanto, ele faz discos. Talvez porque tenha passado os últimos seis anos - espaço que separa seu derradeiro bom álbum. Living in the Material World, deste último George Harrison – caminhando para longe de si mesmo, do personagem que foi, ele tem feito em sua maioria discos ruins, monótonos, desleixados. E talvez porque tenha chegado ao ponto em que realmente, o que foi não importa, ele faz agora, um álbum magnífico em sua simplicidade, repleto de hits certeiros, como “Blow Away”, “Love Comes to Everyone”, “Here Comes The Moon”( a antítese de “Here Comes The Sun”) e canções belíssimas, continuadoras de uma linhagem inaugurada com “Something”, “Dark Sweet Lady”, “Your Love is Forever”, “Soft Touch”. Música comercial de primeira linha, como em síntese, os Beatles sempre fizeram. Executada com maestria de alguém que conhece todas as intimidades do estúdio, esse velho amigo.
Há um ciclo se fechando entre Harrison e All Things Must Pass, o álbum triplo que está sendo relançado no Brasil. All Things é o primeiro passo fora, e por isso é raivoso, abundante, majestoso, jorrando como uma hemorragia – ou como uma dor de barriga, como, candidamente, o próprio George o comparou. É seu melhor disco, e um dos melhores discos feitos nos anos 70. Está repleto de clássicos – “If Not For You”, “Beware of Darkness”, “I’d Have You Anything”, “Isn’t It a Pity”, “My Sweet Lord” – e com uma dinâmica diabólica em cada faixa – “What Is Life”, para citar o exemplo máximo. A guitarra não é genial, mas tem estilo, bom gosto, leveza. A voz é bruxulenta, mas George sabe como gravá-la e fazer dela a sua assinatura. George é, acima de tudo, inventor de melodias – e assim sobreviverá a si mesmo e será encontrado em plena forma, nove anos depois. Aí já é o fim de uma estrada, o começo de outra. Sentado sobre uma pedra, olhando para trás, pacificamente, e não mais no meio daquele descampado, os quatro anõezinhos caídos no chão, aquele olhar de “viram o que aconteceu?”. Todas as coisas devem passar.
E George veio, George foi, George falou e parecia que não era ele, e talvez não fosse, mas isso já não faz diferença. George não tem nenhum motivo para fazer música, nem boa nem má, nem para ganhar dinheiro. Mas faz. Nada mau para um jardineiro. Ana Maria Bahiana

DOWNLOAD:
http://www.4shared.com/file/2xs1KIQI/GH_GH_1979_obaudoedublogspotco.html

Nº 5

Matéria publicada na Revista Pop de março de 1979.

“ME SENTI COMO SE ESTIVESSE DIANTE DE DEUS”
Por José Emílio Rondeau

Eu cresci, da mesma maneira que minha geração, a anterior e algumas seguintes, admirando esse cara que está agora à minha frente. Junto com John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison formava a mais importante banda de rock de todos os tempos – e até mais que isso: juntos eles viraram o mundo ao avesso e passaram a representar tudo o que um adolescente queria. Eu tinha, então, apenas 13 anos – e me lembro como os Beatles estavam ligados a todas as coisas: contestação, psicodelia, cabelos longos, a gíria, a ascenção da guitarra, o rock. Os Beatles eram Deus e o Mundo.
E hoje, aos 22 anos, eu estou diante de um daqueles quatro deuses, falando com ele um sonho real. Aos 37 anos, George Harrison é agora um homem maduro, sereno e simples, que cuida sozinho de seu jardim, vive com a mulher e com o filho de 6 meses, que gosta de música clássica indiana e de corridas de automóveis – foi para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 que ele acabou vindo ao Brasil, de surpresa, quando ninguém mais acreditava que viesse.
Falar com ele foi como falar com minha própria adolescência. Ou como rever um velho amigo que nunca conhecera pessoalmente. Voltar aos tempos dos Beatles ... no fim da entrevista, George decidiu atender às fãs que há horas esperavam para vê-lo. Cercado por guardas de seguranças da gravadora WEA, teve que correr até o carro que la levá-lo ao aeroporto, enquanto as meninas gritavam, socavam o capô, ativaram-se à frente. Quando finalmente conseguiu partir, fiquei vendo a poeira do Galaxie, com um nó na garganta. José Emílio Rondeau

HITPOP – Você, que era em primeiro lugar um guitarrista, agora está diversificando seus interesses, produzindo filmes, ligando-se a corridas. Como ocorreu essa mudança?

George Harrison –Bem, em primeiro lugar, eu sou um jardineiro. Passo a maior parte de meu tempo, hoje plantando: só em novembro, plantei mais de 50.000 mudas. Em segundo lugar, eu sou um compositor, em terceiro, um guitarrista; e em quarto, um cantor. Essa é mais ou menos a ordem. Em minha vida, tudo ocorreu mais ou menos como num trampolim: tocar guitarra levou-me a música, a música levou-me para os Beatles, os Beatles foram um trampolim para os discos, aí me envolvi com gente de cinema. Resolvi produzir o filme do Monty Python porque sou um fã deles, e quando os antigos financiadores se afastaram, eu entrei. Quanto às corridas, bem, eu gosto delas desde os 12 anos de idade, mas antes não podia ir a nenhuma, por causa da popularidade dos Beatles. Hoje posso, e vou.

HITPOP – Quando você lançou seu primeiro disco individual. All Things Must Pass (relançado agora no Brasil pela Odeon) houve uma grande reação positiva. Depois, na excursão de 74, as críticas foram totalmente negativas. Isso o afetou?

George – Tudo na vida é um ciclo: você sabe, depois tem que descer. Não é nada bom quando te criticam tanto, mas ajuda: ou você enlouquece e se mata, ou se fortalece. Além disso naquela excursão eu perdi a voz.

HITPOP – E hoje, em relação à sua carreira, como você se sente?

George – Eu não vejo meu trabalho como uma carreira. Faço ocasionalmente um disco porque gosto de compor, só isso. Não sou como Paul, que fez uma carreira excursionando com sua nova banda, gravando. Ele é viciado em trabalho, adora estar sempre tocando. Eu não, já tive minha superdose de fama. Hoje, prefiro ficar no meu jardim, não quero nunca mais ser famoso. Foi uma escolha , entende?

HITPOP – E quanto a John?

George – Acho que John não pega na guitarra há uns 3 anos. Ele vive no Japão e em Nova Iorque, tomando conta de seu bebê, Sean. Eu tenho um filho de seis meses, e é muito melhor ficar com ele, em casa, do que estar dizendo todas essas besteiras sobre os Beatles. Com todo o respeito que tenho pelos Beatles: aquilo foi bom para aquele tempo, mas... Sabe, algumas pessoas, como Paul, têm necessidade de estarem na televisão, nas paradas. Eu não.

HITPOP – Você não acha importante mostrar sua música?

George- Eu acho importante, quando você faz um disco, as pessoas saberem que ele existe. Seria uma vergonha se ninguém soubesse. Mas ser famoso, não. Te deixa maluco. Seria muito bom que todo mundo que todo mundo que quer ser famoso pudesse sê-lo, por uma semana, pra sentir como é duro.

HITPOP – A transição do trabalho em grupo com os Beatles para o trabalho individual foi difícil?

George – Foi fácil. Uma das razões da separação foi que todos nós escrevíamos um monte de músicas e gravávamos só três ou quatro. Era como ter prisão de ventre. Com o All Things Must Pass, então, eu finalmente pude ir ao banheiro: o disco tinha dezoito músicas, um alívio. Aliás, o disco de ouro que ganhei ´pr ele está pendurado exatamente no meu banheiro. Trabalhar sozinho, então, foi fácil. Já que eu tinh as músicas.

HITPOP – Quando começaram as más vibrações entre os Beatles?

George – Em 67, quando John se juntou a Yoko. Antes de tudo era muito bom, tudo. Havia turbulências, claro, passamos por coisas que ninguém imagina. Aí durante o filme Let It Be, as coisas estavam péssimas. Eu deixei a banda durante as filmagens, já estávamos cheios de tanta Yoko. Ela estava tentando entrar para os Beatles, então Paul arrumou Linda pra se apoiar. Foi demais pra mim, elas estavam em todos os lugares. Levei Eric Clapton pra tocar conosco em While My Guitar Gently Weeps porque, tendo alguém olhando, John e Paul teriam que tocar direito: os dois faziam tantas músicas que, quando chegava a minha vez, eles sempre tentavam estragá-la. Era como lidar com crianças, sabe? As pessoas pensavam que tudo era um mar de rosas. Mas nós vivíamos num inferno.

HITPOP – Qual a sua reação quando o empresário Brian Epstein morreu?

George – Me senti muito triste. Foi como se tivesse tirado nosso chão. Não sabíamos para onde olhar, nem pra onde ir. Até aquela época, nós não organizávamos nada, não sabíamos nada de negócios. Brian fazia tudo, era como um juiz, guia.

HITPOP – Os Beatles são considerados o início de tudo o que hoje é chamado rock. Você concorda com isso?

George – De certa forma, sim. Somos parte da história, embora em relação as todas as modificações da época nós tenhamos sido vítimas das circusntâncias tanto quanto os demais. Os Beatles foram importantes, sim, mas não éramos a resposta para os problemas do mundo. Fomos a melhor banda: até hoje não há nada igual. Mas o resto era bobagem, e havia tantas pressões... Sabe, foi importante que nós nos separássemos: um dia os Beatles cairiam. E é melhor fazer como Muhammad Ali: ganhar o campeonato e se aposentar, como Jackie Stewart fez na fórmula 1. Os Beatles, então, foram assim: nós ganhamos todos os campeonatos e depois nos aposentamos. Antes que começássemos a cair.

HITPOP – Por que vocês deixaram de se apresentar ao vivo tão cedo, em 1966 ainda?

George – Porque nossa vida era muito concentrada. Um ano era como vinte anos. O tempo todo havia pressões, imprensa, o público, voando de um lado para outro, tumultos em cada cidade. Um ano para cada um de nós, era uma vida. E, por volta de 65, 66, eu, por exemplo, me sentia como se já tivesse vivido trezentos anos!


HITPOP – Como foi que você começou a se interessar por assuntos espirituais?

George – Bem, um dia, eu, John e nossas esposas fomos jantar. E John colocou ácido em nosso café. Nós não sabíamos o que era aquilo, e ele nos disse: “Aconselho que vocês não saiam”. Depois, pensando que ele nos estava convidando para uma orgia em sua casa, saímos. Acabamos entrando em uma discoteca chamada Ad Lib – e uma porção de coisas incríveis começaram a acontecer. Parecia que estávamos na pré-estréia de alguma coisa, achamos que o elevador estava em chamas (havia apenas uma luz vermelha), e quando saímos dele estávamos todos gritando. Foi incrível. E depois dessa experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui a Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahaesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.

HITPOP – Voltando ao Monty Python: como você começou a trabalhar com eles?

George – Eles são meus velhos amigos, Eric Idle, um deles, escreveu comigo o roteiro para o filme dos Ruttles, uma paródia dos Beatles feita pelo Monty Phyton, no qual eu até trabalhei. Os Ruttles foram uma liberação, pra mim, uma piada com os Beatles. E tudo deve ter um lado engraçado.

HITPOP – Você, que representou o rock de toda uma geração, como vê o rock dos anos 80?
George – Deverá ser bom. Mas sinceramente, não presto muita atenção à música que predomina hoje. Gosto de algumas coisas, como Elton John E Ry Cooder. Mas quando quero me sentir bem, ouço música clássica indiana, que tem suas raízes no espírito. Fim.




Nº 6

Esta matéria foi publicada na Revista Manchete no início de setembro de 1980. Me lembro como se fosse hoje! Fiquei feliz em saber que meu herói estava de volta e logo colocaria minhas mãos em seu mais novo lançamento! John Lennon estava realmente na mídia onde também foi publicada uma entrevista raríssima dele na revista Veja dias antes dos disparos. Ainda antes da entrevista da Playboy! Não percam a próxima edição de “OS ARQUIVOS DO FUNDO DO BAÚ.Abração!
JOHN LENNON – O SOM RENASCEU!
Ao contrário de Paul McCartney, que vem badalando (e gravando) adoidado com seus Wings, John Lennon, 39 anos, parecia ter escolhido o silêncio como depoimento final de uma das carreiras mais bem-sucedidas do século. Lennon – autor da famosa frase “O sonho acabou” – desde o reatamento com Yoko Ono, vivia recluso em seus cinco apartamentos no sinistro “Dakota” – prédio onde foi filmado O Bebê de Rosemary. Já havia até ganho o apelido de A Greta Garbo do Rock, resumindo suas atividades a caminhadas anônimas e esporádicas pelo Central Park. Agora, para surpresa geral, ele voltou ao estúdio, após sete anos sem gravar. E que música pretende o ex-Beatle oferecer em 1980? “Algo diferente, além da discoteca”, responde pelo marido Yoko Ono, 47 anos. Quem acompanhou as gravações diz que será material romântico, descrito por Yoko como um diálogo entre um homem e uma mulher. “Temos levado uma vida ótima durante os últimos seis anos”, diz a Sra. Lennon, “e esse clima vai marcar bastante a qualidade do som deste novo disco.” Nas melhores lojas (dos EUA), a partir de outubro.

Nº 7



Os dias que antecederam o lançamento de “Double Fantasy” foram de uma expectativa absurda para mim. Era um prazer enorme abrir revistas dos mais variados generos e ver o velho quase “quarentão” de volta a ser notícia! Esta entrevista que vocês conferem a seguir, foi publicada na Revista Veja de 1º de outubro de 1980. O discão só chegaria às lojas - pelo menos aqui em Brasília - no início de dezembro. Mal sabia eu (nem ninguém!) que que dali a 2 meses e poucos dias ele seria a notícia mais popular em todos os jornais, revistas, TVs e radios de todo o planeta!


Só consegui ter meu Double Fantasy na manhã do dia 10 de dezembro. Eu ainda estava muito triste a abalado pelo que aconteceu no dia 8. O presente me foi dado pelo saudoso Luiz Carlos - um velho amigo do meu pai – e este Double Fantasy que ganhei dele, quardo como relíquia e não o ouço há vários anos! Ao todo, contando com os CDs, tenho 9 Double Fantasys. Espero que gostem! Abração! Se pudesse, colocava aqui para todos, esse novão, remasterizado que acabou de sair do forno! Se o fizer hoje, ainda hoje serei preso e executado!
Lennon está de volta
Calado há 5 anos, o ex-Beatle divide um disco com Yoko e fala de sua nova vida. Ao longo dos nove anos desde que os Beatles se separaram. John Lennon, o mais controverso e brilhante de seus quatro componentes, vem passando por um turbulento amadurecimento. Depois de uma frenética produção de discos de qualidade incrivelmente desigual, uma briga de quatro anos com o Serviço de Imigração americano para permanecer nos Estados Unidos, uma separação de quinze meses de sua esposa Yoko Ono e o nascimento de seu filho Sean, Lennon desapareceu de vista em 1975. Agora, às vésperas de se converter em um quarentão, ele reemerge com o mais esperado álbum do ano. Intitulado “Double Fantasy”, é uma espécie de de “Cenas de um Casamento” revelado em catorze canções – sete escritas por Lennon, sete por Yoko. Há alguns anos, o casal trocou seus papéis: Lennon tornou-se um “dono de casa”, cuidando de bebê e fazendo pão, enquanto Yoko se convertia na geente de negócios da família. Suas propriedades nos Eua são extensas – cinco apartamentos no legendário edifício de Dakota de Manhattan, Nova York e quatro fazendas para produzir leite. Recentemente, Lennon e Ono deram sua primeira grande entrevista em cinco anos a Bárbara Gaustark, da revista Newsweek. Vestindo uma calça Levis e uma camisa de trabalho, fumando cigarros franceses, o ex-Beatle falou abertamente de si próprio, sem mostrar sinais de demônios anteriores que antes perseguiam suas canções.

Bárbara – Por que você se escondeu a partir de 1975? Você estava cansado de fazer música ou do negócio da música?
Lennon – Um pouco de cada coisa. Desde os 22 anos de idade estava sob contrato e sempre se esperava alguma coisa de mim. Que eu escrevesse 100 canções até sexta-feia, que gravasse um compacto até sábado, fizesse isso e aquilo. Eu me tornei um artista por gostar da liberdade – nunca pude me encaixar em uma sala de aula ou num escritório. A liberdade era o algo a mais de que eu precisava pra compensar o fato de ser um sujeito estranho. De repente, contudo, vi-me amarrado a uma gravadora, à imprensa, ao público. Não tinha liberdade alguma.

Bárbara – Por que cinco anos?Lennon – Você sabe que me custou um longo tempo pra ter um bebê. Eu queria me dedicar por 5 anos ao meu filho Sean. Não vi Julian, meu primeiro filho (de sua esposa Cynthia) crescer e, agora, eis um homem de 17 anos ao telefone falando de motocicletas. Acho que a maioria das escolas são prisões – a cabeça da criança é aberta e estreitá-la para que ela vá competir na sala de aula é uma piada. Mandei Sean ao jardim de infância mas, quando percebi que o estava fazendo para me ver livre dele, deixei que voltasse para casa. Se não lhe dou atenção agora que ele tem 5 anos, terei que dá-la em doses duplas em sua adolescência. É o que lhe devo.
Bárbara – Yoko, por que você decidiu assumir o papel de empresária?
Yoko – Existe uma canção do John, no disco, chamada “Hora da Limpeza”, e assim foi para nós. Por estarmos ligados à Apple (a empresa dos Beatles) percebemos que todos os advogados e gerentes tinham um pedaço de nós, que não éramos financeiramente independentes – não sabíamos nem quanto dinheiro tínhamos. E ainda não sabemos. Agora estamos vendendo nossas ações da Apple (25%) para liberar nossas energias e outras direções. Fomos aconselhados a investir em ações e petróleo, mas não acreditamos nisso. Você tem que investir em coisas que ama. Como vacas, que são animais sagrados na Índia. Comprar casas foi uma decisão prática – John começou a se sentir preso em apartamentos e nós nos aborrecíamos em hotéis. Cada casa que compramos foi escolhida por ter um valor histórico.

Bárbara – John, foi muito difícil fazer algo que não fosse música?Lennon – A principio sim, foi muito difícil. Mas, musicalmente, minha mente era apenas uma confusão. Isso ficou aparente em “Walls and Bridges” (seu álbum individual de 1974), que era o trabalho de um artesão semi-enfermo. Não havia inspiração e dele emanava uma aura de sofrimento.

Bárbara – você deixou de ouvir música?Lennon – Ouço geralmente clássicos ou muzak. Não tenho interessse no trabalho de outros – só na medida em que me toca. Tenho a grande honra de nunca ter ido ao Studio 54 e de nunca ter pisado em qualquer clube de rock.

Bárbara – Por que você decidiu gravar novamente?Lennon – Porque este dono-de-casa gostaria de ter só um pouquinho de uma carreira. No dia 9 de outubro completo 40 anos de idade. Sean terá 5 e eu poderei dizer: “Papai também faz outras coisas”. O garoto não está acostumado a isso – em cinco anos eu quase não peguei na guitarra. No Natal passado nossos vizinhos mostraram a Sean o filme “Submarino Amarelo” e ele veio correndo para casa perguntando: “Papai, você estava cantando, você foi um Beatle?” Eu lhe respondi: “Bem – sim, fui”.

Bárbara – Por que você colaborou com Yoko nesse LP?
Lennon – É como uma peça de teatro – nós a escrevemos e somos os atores. É John e Yoko – é pegar ou largar... digo de outra forma forma (rindo) ... Yoko me faz sentir inteiro. Não quero cantar se ela não estiver lá comigo. Somos como conselheiros espirituais. Quando deixei os Beatles, pensei: “Ótimo, não preciso mais ouvir a Paul, Ringo e George”: Mas é aborrecido cantar sozinho em um estúdio.

Bárbara – Do homem que aos 23 escreveu “as mulheres deveriam ser obscenas em vez de ouvidas”, você percorreu um longo caminho. Como se deu isso?Lennon – Eu era um macho da classe trabalhadora, acostumado a ser servido e Yoko não entrou nessa. Do dia em que eu a conheci, ela exigiu tempo igual, espaço igual, direitos iguais. Eu disse: “Não espere que eu mude. Não tome meu espaço”. Ela respondeu: “Então não posso ficar aqui. Tudo giro a seu redor e não posso respirar nessa atmosfera”. Sou-lhe agradecido pela educação que me deu.
Bárbara – As pessoas acusam Yoko de ter arrancado você do grupo e, nesse processo, destruído os Beatles. Como foi que tudo realmente terminou?Lennon – Sempre estive à espera de um motivo para deixar os Beatles a partir do dia em que filmei “Como Ganhei a Guerra” (em 1966). Só não tinha coragem de tomar essa decisão. A semente estava plantada quando os Beatles pararam de fazer turnês e eu não podia enfrentar o fato de ficar de fora do palco. Mas estava muito assustado para sair de meu palácio. Foi o que matou Elvis Presley. O rei é sempre morto por seus cortesãos. Yoko me mostrou o que significava ser Elvis Beatle e estar rodeado de escravos cujo maior interesse era manter a situação como estava – uma espécie de morte. E assim foi como os Beatles terminaram – não porque ela “tenha dividido” os Beatles, mas porque me disse: “Você está nu”.

Bárbara – Como você vê agora seu radicalismo político no ínicio da década de 70?Lennon – Aquele radicalismo era falso, realmente, porque nascia de um sentimento de culpa. Sempre me senti culpado por ganhar dinheiro, e assim tinha que gastá-lo ou perdê-lo. Não quero dizer que fosse hipócrita – quando acredito, acredito até o fundo das coisas. Mas, por ser um camaleão, eu me convertia na pessoa com quem estava.

Bárbara – Você tem saudade dos velhos e bons tempos?Lennon – Nada. O que gerou os Beatles também gerou os anos 60. E, se alguém pensa que, se John e Paul, se juntarem com George e Ringo, os Beatles existirão novamente, está fora de si. Os Beatles deram o que tinham que dar. Os quatro sujeitos que compunham aquele grupo jamais poderão vir a ser aquele grupo novamente mesmo que assim eles quisessem. E se Paul e eu nos juntássemos? Seria chato. Se George ou Ringo se reunisse a nós seria irrelevante porque Paul e eu criamos a música, certo? Mas voltar aos Beatles seria como voltar a escola...

Bárbara – De todas as novas canções, só “I’m Losing You” parece abrigar os famosos demônios de Lennon. Como você escreveu?Lennon – Ela saiu de um pesado sentimento de perda que se remontou até o útero. Uma noite, eu não consegui me comunicar com Yoko por telefone e me senti completamente perdido... Acho que aí está o significado dessa história de cinco anos – restabelecer contato comigo mesmo. O verdadeiro momento de percepção veio quando descobri quem eu era aconteceu em um quarto em Honk Kong porque tinha me mandado de viagem para que eu ficasse completamente só. Desde os 20 anos não tinha feito nada por minha própria conta. Não sabia nem como me registrar em um hotel... Estava apreciando a vista da baía quando alguém tocou a campainha. Foi o reconhecimento – meu Deus. Essa pessoa calma sou eu. Não necessita mais de adulações ou de êxitos musicais.
Rodei por Hong Kong de madrugada, sozinho, e foi emocionante. Foi redescobrir uma sensação que tive uma vez, muito jovem, percorrendo as montanhas da Escócia com uma tia. Pensei: “Ei, Este é sentimento que faz você escrever ou pintar... E Esteve comigo toda minha vida. E é por isso que estou livre dos Beatles – porque acabei descobrindo que eu era John Lennon antes dos Beatles e serei John Lennon depois dos Beatles”. Assim seja.